Belo Horizonte / MG - quinta-feira, 18 de abril de 2024

Transtornos Mentais Orgânicos

   Síndrome e Distúrbios Mentais Orgânicos*

 

I. Introdução


A. Definição. O termo orgânico implica disfunção cerebral. Síndrome é uma constelação de sinais e sintomas. Distúrbio implica uma etiologia presumida ou conhecida (apesar de o DSM-III-R utilizar, freqüentemente, distúrbio em vez de síndrome, quando parece provável uma etiologia específica).

 

Todos estes diagnósticos requerem uma anormalidade psicológica ou comportamental associada a uma disfunção cerebral transitória ou permanente. Freqüentemente, as fronteiras entre a doença orgânica e a funcional são tênues.

B. Abordagem geral do paciente orgânico. Usualmente, síndromes mentais orgânicas crônicas são mais sutis e lentamente progressivas, em suas manifestações clínicas do que as síndromes mentais orgânicas agudas. Apesar de os fatores etiológicos serem evidentes, freqüentemente, em síndromes agudas, este não é o caso, habitualmente, das síndromes crônicas.

1. Sinais inespecíficos de organicidade crônica

 


a. Comprometimento intelectual, mnêmico e cognitivo (pensamento superficial, falta de flexibilidade intelectual, perseveração, comprometimento do juízo).
b. Alterações da personalidade.
c. Desinibição (inadequação ou exacerbação dos traços de personalidade subjacentes).
d. Pobreza do discurso com diminuição do vocabulário e uso de chavões.
e. Alucinações visuais proeminentes.
f. Afeto pode ser inicialmente deprimido, ansioso e lábil, porém pode progredir para um afeto raso, apático e vazio.

C. Avaliação clínica

 


1. Anamnese
. Pode ser demorada, requerendo informações de outras pessoas. Necessidade de informações a respeito das condições pré-mórbidas.

2. Física. Enfatizar a avaliação neurológica, porém, não descuidar de outros sistemas.

3. Estado mental. Avaliar cuidadosamente a cognição, porém não ao ponto de perder outras informações, especialmente aspecto e comportamento geral, humor/afeto e conteúdo e processo de pensamento.

4. Avaliação cognitiva. Os testes de discriminação usados por psiquiatras são inespecíficos, porém são sensíveis a uma ampla gama de comprometimentos (orientação, atenção e concentração, memória, informações gerais, inteligência). Desenvolver uma rotina. Achados suspeitos usualmente requerem uma extensa avaliação cognitiva.

5. Exames laboratoriais

 


a. Avaliação psicométrica
(testagem psicológica) - mais sensível à organicidade; padronizada; pode utilizar probabilidades na interpretação; requer cooperação por parte do paciente. Psicólogo precisa ser orientado sobre o aspecto a focalizar.

b. Radiografia de crânio, eletroencefalograma (EEG), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética nuclear (RMN), cintilografia cerebral e angiografia, de acordo com as indicações.

D. Seis categorias gerais de patologias orgânicas, no DSM-III-R

1. Delirium e demência - comprometimento global.
2. Síndrome amnéstica e alucinose orgânica - áreas delimitadas de comprometimento cognitivo.
3. Síndromes orgânica delirante, do humor e ansiosa - semelhantes aos distúrbios funcionais, porém implicam uma etiologia provavelmente orgânica.
4. Síndrome orgânica da personalidade.
5. Intoxicação e abstinência - definidas pela etiologia, porém insuciente para preencher critérios de uma das outras síndromes.
6. Síndrome mental orgânica sem outras especificações (SOE) - categoria residual.

II. Delirium

A. Definição
. Síndrome mental orgânica aguda na qual o comprometimento cognitivo é relativamente global. O delirium freqüentemente é reversível e a evolução é usualmente rápida.

B. Diagnóstico, sinais e sintomas.

C. Epidemiologia
. Freqüente em pacientes hospitalizados - cerca de I O% nos pacientes internados de forma geral, 20% em pacientes queimados, 30% em pacientes de unidades de terapia intensiva (UTI). Pacientes de idade muito baixa ou alta são os mais predispostos a delirium. Pacientes com história de delirium têm maior probabilidade de apresentar outro episódio. Pacientes lesionados cerebrais também são mais suscetíveis.

D. Etiologia. Há múltiplas etiologias, incluindo infecções, febre, desequilíbrio metabólico, doença hepática ou renal, disfunções endócrinas, deficiência de tiamina, intoxicação por substância psicoativa, abstinência, estados pós operatórios, graves perdas sanguíneas, arritmias cardíacas ou insuficiência cardíaca, encefalopatia hipertensiva, traumas cranianos, crises epilépticas, efeitos colaterais de muitas medicações, certas lesões cerebrais focais (lobo parietal direito e superfície medial do lobo occipital) e privação sensorial, como, por exemplo, pacientes cegos ou surdos. O delirium pode ser visto como uma via final comum de qualquer lesão cerebral. (Ver Quadro 3-1.)

 

 



E. Exames laboratoriais. O delirium uma emergência clínica que requer identificação da causa tão rápido quanto possível. Se a causa provável não for evidente, deve ser feito um screening clínico imediato. Mesmo se identificar uma causa aparente, pode haver múltiplas causas. O screening deve incluir sinais vitais, hemograma completo com contagem diferencial, velocidade de hemossedimentação (VHS), química sanguínea completa, exames de função hepática e renal, urina I, toxicologia urinária, eletrocardiograma (ECG), radiografia de tórax, TC do crânio e punção lombar (se indicada). O EEG freqüentemente demonstra lentificação difusa.

F. Diagnóstico diferencial

 


1. Demência.

2. Esquizofrenia e mania
. Usualmente não têm a evolução rapidamente flutuante do delirium nem apresentam comprometimento do nível de consciência ou uma cognição muito comprometida.

3. Distúrbios dissociativos. Podem apresentar amnésia macular, porém não apresentam o comprometimento cognitivo global e os padrões psicomotores e de sono anormais do delirium (Ver Quadro 3-2.)

 




G. Evolução e prognóstico. A evolução é usualmente rápida. Em alguns casos, o deliriumdelirium pode, também, evoluir rapidamente para óbito ou demência permanente, se não for tratado. Se a causa subjacente for tratada, pode haver uma rápida recuperação. Podem persistir, no entanto, alguns déficits residuais.

H. Tratamento.

Identificar a causa e revertê-la.

 

Corrigir as anormalidades metabólicas; assegurar uma hidratação, equilíbrio eletrolítico e nutrição adequados; otimizar o ambiente sensorial para o paciente, por exemplo, diminuindo os estímulos para um paciente com delirium tremeis e aumentando os estímulos de forma apropriada para pacientes em delirium por privação sensorial.

 

Para a agitação podem ser usadas baixas doses de antipsicóticos de alta potência, como, por exemplo, haloperidol (Haldol) 2 a 5 mg por via oral ou intramuscular a cada 4 horas, conforme as necessidades.

 

Benzodiazepínicos, como, por exemplo, o lorazepam (Ativan), na dose de 1 a 2 mg por via oral ou intramuscular de 4 em 4 horas, conforme necessário, também podem ser usados para agitação ou insônia, especialmente em pacientes com riscos de crises epilépticas, como, por exemplo, abstinência de álcool ou abstinência de hipnóticos sedativos.

 


III. Demência

 


Comprometimento global do intelecto sem comprometimento da consciência. Estes pacientes têm um enorme impacto sócio-econômico sobre o sistema de cuidados de saúde pelo fato de requererem muitos cuidados. Também, à medida que a população envelhece, o número de indivíduos demenciados aumenta geometricamente.

A. Definição. Perda do desempenho cognitivo e intelectual suficientemente grave para interferir no desempenho social ou ocupacional. O déficit essencial é constituído pela perda da memória, tanto de curto prazo quanto de longo prazo. O pensamento abstrato e o juízo também se encontram freqüentemente comprometidos, havendo com freqüência sinais de envolvimento cortical mais elevado. Com o passar do tempo, pode haver grandes alterações da personalidade.

B. Diagnóstico, sinais e sintomas. Veja Quadro 3-3.
pode desaparecer espontaneamente. O

 


C. Epidemiologia. Trata-se de uma síndrome que aparece principalmente nos idosos, apesar de poder ser diagnosticada em qualquer idade após a estabilização do quociente de inteligência (Q.I.) (três a quatro anos de idade). Pode chegar a uma freqüência de até cinco por cento em indivíduos acima dos 65 anos e de 20% em indivíduos acima dos 80 anos. A faixa etária avançada constitui o fato de risco mais importante. Um quarto dos pacientes demenciados apresenta alguma doença tratável. Um décimo de todas as demências é reversível.

 

 



D. Etiologia. A causa mais comum é a doença de Alzheimer, seguida pela demência multiinfarto (DMI) (formas mistas também são comuns). A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) também é uma causa comum. Veja o Quadro 3-4 em relação às outras causas de demência.

E. Exames laboratoriais. A prioridade máxima é identificar uma possível causa tratável da demência. A próxima é identificar outras patologias clínicas tratáveis que possam estar piorando a demência (o declínio cognitivo freqüentemente é desencadeado por outra patologia clínica). O screening deve incluir os sinais vitais, o hemograma completo com contagem diferencial, a VSH, química sanguínea completa, níveis séricos de B12 e folato, exames das funções hepática e renal, exames da função tireóide, urina I, toxicologia urinária, ECG, radiografia de tórax, TC ou RMN do crânio e punção lombar.

F. Diagnóstico diferencial

1. Senescência normal
. Associa-se a uma diminuição da capacidade de aprendizado de material novo e a uma lentificação dos processos de pensamento. Além disso, há uma síndrome de esquecimento benigna da senescência, que não apresenta uma evolução de deterioração progressiva. Entretanto, nenhum destes quadros envolve um comprometimento do desempenho social ou ocupacional, que é parte da definição de demência. (Ver Quadro 3-4.)

 


 



2. A depressão em idosos pode apresentar sintomas de comprometimento cognitivo que levaram à criação do termo pseudodemência . O paciente aparentemente demenciado está, na verdade, deprimido, respondendo bem aos antidepressivos ou à eletroconvulsoterapia (ECT). Muitos pacientes demenciados ficam deprimidos, também, ao compreender seu progressivo comprometimento cognitivo.   Freqüentemente, em pacientes que apresentam tanto demência quanto depressão, há necessidade de tratamento com antidepressivos ou ECT. O Quadro 3-5 estabelece o diagnóstico diferencial entre demência e depressão.

 


 


3. O delirium também é caracterizado por um comprometimento cognitivo global e os pacientes demenciados freqüentemente apresentam um delirium sobreposto. A evolução da demência habitualmente tende a ser mais crônica, não apresentando a característica proeminente das rápidas flutuações, do início agudo, do comprometimento da atenção, da alteração do nível de consciência, dos distúrbios psicomotores, da perturbação aguda do cicio de sono-vigília e as proeminentes alucinações ou delírios que caracterizam o delirium.

G. Evolução e prognóstico
. Devido ao fato de cerca de 1O% das demências serem reversíveis, devidas, por exemplo, a hipotireoidismo, à sífilis do sistema nervoso central (SNC), à hematoma subdural, à deficiência de B12 à uremia e à hipóxia, a evolução destes casos depende da velocidade com a qual a causa é revertida. Se a causa for revertida demasiado tarde, pode haver déficits residuais, com uma evolução estável, subseqüentemente, se não tiver havido uma extensa lesão cerebral.
Nos casos sem causa identificável, como a demência degenerativa primária do tipo Alzheimer, a evolução provavelmente será de uma deterioração lentamente progressiva. O paciente pode perder-se em lugares familiares, posteriormente ser incapaz de lidar com dinheiro e, ainda mais tarde, de reconhecer membros da família, eventualmente passando a apresentar incontinência fecal e urinária.

H. Tratamento. O tratamento geralmente é de suporte. Assegurar um tratamento apropriado de quaisquer problemas clínicos concomitantes. Manter uma nutrição apropriada, exercícios e atividades. Proporcionar um ambiente que forneça com freqüência pistas para orientação quanto ao dia, à data, ao local e ao tempo. À medida que o desempenho piora, pode ser necessária a internação num estabelecimento de cuidados com idosos. Freqüentemente, o comprometimento cognitivo pode piorar à noite (sundowning). Alguns estabelecimentos para residência de idosos desenvolveram com sucesso um plano de atividades noturnas para abordar este problema.
A terapia de apoio, a terapia de grupo e o encaminhamento para organizações de familiares de pacientes demenciados podem ajudar estes a lidar com a situação e a se sentir menos frustrados e desamparados.

Farmacológico. De modo geral, devem-se evitar os barbitúricos e os benzodiazepínicos, uma vez que podem piorar a cognição. Para a agitação, são eficazes doses baixas de antipsicóticos, como, por exemplo, 2 mg de haloperidol por via oral ou intramuscular ou 25 a 50 mg de tioridazina (Melleril) por via oral. Alguns clínicos sugerem um benzlodiazepínico de curta ação para ajudar o sono, como, por exemplo, o triazolam (Halcion) 0,25 mg por via oral, porém isto pode levar a mais déficits de memória, no dia seguinte.

IV. Demência degenerativa primária do tipo Alzheimer (DTA)

 


A. Definição
. Demência progressiva na qual foram excluídas todas as causas reversíveis conhecidas. Há dois tipos: senil, com início aos 65 ou mais anos e pré-senil, com início antes dos 65 anos. A distinção entre demência senil e pré-senil é convencional, não se baseando em outras diferenças reais que não a idade de início.

B. Diagnóstico, sinais e sintomas

(Ver Quadro 3-6.)

 


 

 

 

 

 



C. Epidemiologia. Essencialmente a mesma da demência. A DTA pode ser mais freqüente em mulheres, porém isto pode ser um artefato da maior expectativa de vida destas. Parentes de pacientes com DTA têm maior probabilidade que a população geral de desenvolver DTA. Há uma elevada taxa de concordância entre irmãos. Há algumas formas de DTA que ocorrem em famílias e, nestas famílias, a DTA segue um padrão de transmissão autossômica dominante. A DTA, numa família, foi associada à anomalia do cromossomo 21.
A relação entre a DTA e a síndrome de Down forneceu mais apoio às hipóteses genéticas sobre a DTA. Todos os pacientes com síndrome de Down que vivem até sua terceira década de vida desenvolvem as anormalidades histopatalógicas cerebrais características encontradas nos pacientes com DTA.
As taxas de DTA são mais baixas em países não-industrializados, porém pode tratar-se de um artifato devido aos piores cuidados médicos e, assim a uma diminuição da sensibilidade do diagnóstico.

D. Etiologia. Os fatores de risco hipotéticos incluem idade materna ao nascimento, exposição ao alumínio, antecedentes de trauma craniano, deficiência cerebral de colina, auto-imunidade e outros. Há uma teoria viral, porém ela não tem apoio científico (duas outras doenças que levam a demência - o kuru e a doença de Creutzfeidt-Jacob - mostraram ser transmitidas por vírus). Nenhuma destas hipóteses foi claramente comprovada para a DTA. O único fator de risco é a faixa etária avançada.

E. Patologia. As alterações neuropatológicas características, descritas inicialmente por Alois Alzheimer, são as redes de neurofibrilas, as placas senis e as degenerações grânulo-vacuolares. Estas alterações podem aparecer também durante o processo de envelhecimento normal, porém estão sempre presentes nos cérebros de pacientes com DTA. Eles são mais proeminentes na amígdala, no hipocampo, no córtex e no prosencéfalo basal. Um diagnóstico definitivo de doença de Alzheimer só pode ser feito histopatologicamente. O fato de estas estruturas cerebrais patológicas conterem altas quantidades de alumínio constitui a base da teoria etiológica da toxicidade do alumínio. O diagnóstico clínico de DTA deve ser considerado apenas como doença de Alzheimer possível ou provável.
Outras anormalidades que foram encontradas em pacientes com DTA incluem atrofia cortical difusa na TC ou RMN, aumento dos ventrículos e diminuição do metabolismo cerebral de acetilcolina. O achado de baixos níveis de acetilcolina explica por que estes pacientes são altamente suscetíveis aos eleitos anticolinérgicos das medicações, tendo levado ao desenvolvimento das estratégias de reposição de colina, para tratamento.

F. Evolução e prognósticos. Os mesmos da demência.

G. Tratamento. O mesmo da demência.

V. Demência multi-infarto (DMI)

 


A. Definição
. Demência devida à doença vascular cerebral. Usualmente, a demência evolui num padrão de degraus sucessivos, com cada infarto recidivante. Os pacientes notam um momento específico no qual seu desempenho piorou, e melhorarão discretamente, no decorrer dos dias subseqüentes, até o próximo infarto. Freqüentemente haverá presença de sinais neurológicos. O comprometimento cognitivo pode ser macular, com algumas áreas intactas.

B. Diagnóstico, sinais e sintomas

C. Epidemiologia
. Menos freqüente do que a DTA. Mais comum em homens do que em mulheres. Início mais precoce. Os fatores de risco incluem hipertensão, patologia cardíaca e outros fatores de risco para acidente vascular cerebral.

D. Exames laboratoriais. TC ou RMN mostrarão os infartos.

E. Diagnóstico diferencial

l. DTA
. A DM I pode ser de difícil distinção em relação à DTA. Obter uma boa anamnese da evolução da doença, observando se o início foi abrupto, se a evolução foi insidiosa ou em degraus e se houve presença de comprometimento neurológico. Identificar os fatores de risco para DMI e obter uma imagem do cérebro. Se o paciente apresentar características tanto da DMI quanto da DTA, o diagnóstico deve ser de quadro misto de DTA/DMI.

2. Depressão. Os pacientes com DMI podem também ficar deprimidos, conforme descrito acima, em pacientes com pseudodemência. A depressão provavelmente não produzirá achados neurológicos focais. Se presente, a depressão deve ser diagnosticada e tratada.

3. Acidentes vasculares cerebrais e ataques isquêmicos transitórios (AIT). Geralmente não levam a uma demência progressiva. Os déficits dos AIT são, por definição, transitórios. Um paciente com AVC resolvido pode apresentar alguns déficits cognitivos, porém, a não ser que haja uma perda maciça de tecido cerebral, um único AVC geralmente não causará demência. (Ver Quadro 3-7.)



F. Tratamento. O tratamento consiste na identificação e reversão da causa dos acidentes vasculares cerebrais. Hipertensão, diabetes e patologias cardíacas devem ser tratadas. Pode ser necessária a institucionalização, se o comprometimento for grave. O tratamento é de suporte e sintomático. Antidepressivos, antipsicóticos e benzodiazepínicos podem ser usados, porém estes pacientes com lesão cerebral podem desenvolver efeitos colaterais devido às drogas psicoativas.

VI. Doença de Pick

 


Esta demência degenerativa primária, relativamente rara, é, clinicamente, muito semelhante à DTA. Entretanto, há um proeminente envolvimento do lobo frontal e pode haver presença precoce de sinais de desinibição comportamental frontal. Presença de gliose reativa em lobos frontal e temporal. O diagnóstico é feito freqüentemente à autópsia, apesar de a TC e a RMN poderem demonstrar um proeminente envolvimento do lobo frontal.

VII. Doença de Creutzfeldt-Jakob

 


Esta demenciação degenerativa rapidamente progressiva é causada por um vírus lento transmissível. O início ocorre, usualmente, na quinta ou sexta década de vida. Os primeiros sinais desta doença podem ser ansiedade, queixas somáticas vagas ou sensações inespecíficas de ansiedade. Outros sinais incluem ataxia, sinais extrapiramidais, coreoatetose e disartria. Fatal, habitualmente nos dois anos que se seguem ao diagnóstico. A TC mostra atrofia cortical e cerebelar. EEG característico, nos estágios mais tardios. Não há tratamento conhecido.

VIII. Doença de Huntington (coréia de Huntington)

 


A. Definição
. Doença autossômica dominante com penetração completa (cromossomo 4), caracterizada por movimentos córeo-atetóides e demência. Um indivíduo com um dos pais com doença de Huntington apresenta uma probabilidade de 50% de desenvolver a doença.

B. Diagnóstico. Início habitualmente na quarta ou quinta década de vida (o paciente já pode ter filhos), inicialmente assintomática. Os movimentos coreiformes usualmente são os primeiros sinais que aparecem, tornando-se progressivamente mais graves. Mais tarde, a demência se manifesta, freqüentemente, com características psicóticas. A demência pode ser descrita, inicialmente, pela família do paciente, como alteração da personalidade. Pesquisar história familiar.

C. Complicações psiquiátricas associadas

1. 25% de alterações da personalidade
2. 25% esquizofreniformes
3. 50% de alterações do humor
4. 25% iniciam com demência rapidamente progressiva
5. 90% desenvolvem demência

D. Epidemiologia.lncidênciadedoisaseiscasos/100.000 indivíduos.Aparece em todas as raças. Há mais de 1.000 casos relacionados a dois irmãos que imigraram da Inglaterra para Long lsland, Nova lorque. Proporção igual em homens e mulheres.

E. Fisiopatologia. Atrofia cerebral com extenso envolvimento dos núcleos da base e do núcleo caudado, em particular.

F. Evolução e prognóstico. A evolução é progressiva e usualmente leva à morte 15 a 20 anos após o diagnóstico. O suicídio é freqüente.

G. Tratamento. Pode haver necessidade de institucionalização, à medida que progrida a coréia. O alívio sintomático da insônia, da ansiedade e da depressão pode ser obtido com benzodiazepínicos e antidepressivos. Os sintomas psicóticos podem ser tratados com antipsicóticos de alta potência. O aconselhamento genético é a intervenção mais importante.

IX. Doença de Parkinson

 


A. Definição
. Distúrbio de movimento idiopático com início usualmente em fases mais tardias da vida, caracterizado por bradicinesia, tremor de repouso, tremor de contar dinheiro, fácies em máscara, rigidez de roda denteada e marcha de pequenos passos. O comprometimento intelectual é freqüente e 40 a 80% dos pacientes sofrem demenciação. A depressão é extremamente comum, podendo ser considerada um distúrbio orgânico do humor.

B. Epidemiologia. A prevalência anual no hemisfério ocidental é de 200 casos/ 100.000 indivíduos.

C. Etiologia. Desconhecida (para a maioria dos pacientes com síndrome de Parkinson idiopática). Há uma diminuição das células da substância negra, diminuição da dopamina e degeneração dos tratos dopaminérgicos. A síndrome de Parkinson pode ser causada por traumas cranioencefálicos repetidos e por algumas drogas.

D. Tratamento. A L-dopa (levodopa [Larodopa, Dopar]) é precursora da dopamina, sendo freqüentemente combinada com carbidopa, um inibidor da dopadescarboxilase, para aumentar os níveis cerebrais de dopamina. A amantidina (Symmetrel) também tem sido usada sinergisticamente com a L-dopa. Alguns cirurgiões tentaram implantar tecido de medula adrenal no cérebro, para produzir dopamina, com alguns resultados favoráveis. A depressão é tratável com antidepressivos ou ECT.

X. Outras demências

 


Outras demências incluem a doença de Wilson, a paralisia supranuclear, a hidrocefalia de pressão normal (demência, ataxia, incontinência) e tumores cerebrais.
Causas sistêmicas de demência: doença tireóidea, hipofisária (doença de Addison ou de Cushing), insuficiência hepática, diálise, deficiência de ácido nicotínico (pelagra causa demência, dermatite e diarréia), deficiência de B12, deficiência de folato, infecções, intoxicação por metal pesado, abuso crônico de álcool.

XI. Síndrome amnéstica

 


A. Definição
. Comprometimento da memória de curto e longo prazos atribuído a uma etiologia orgânica específica. Normal em outras áreas da cognição. (Ver Quadro 3-8.)

 

B. Diagnóstico, sinais e sintomas

C. Etiologia
. A forma mais comum é devida à deficiência de tiamina associada à dependência etílica. Pode resultar, também, de traumatismo craniano, cirurgia, hipóxia, infarto e encefalite por herpes simples. Tipicamente, qualquer processo que lese certas estruturas diencefálicas e temporais mediais, como, por exemplo, os corpos maxilares, o feris, o hipocampo, pode causar esta síndrome.

D. Diagnóstico diferencial. O delirium e a demência também apresentam amnésia, porém apresentarão, também, comprometimentos em muitas outras áreas da cognição. Os distúrbios factícios podem simular amnésia, porém os déficits amnésticos serão inconsistentes.

E. Tratamento. Identificar a causa e revertê-la, se possível; de resto, medidas clínicas de suporte, como, por exemplo, administração de líquidos, manutenção da pressão arterial.

XII. Amnésia global transitória

 


A. Usualmente ocorre nas fases traias da meia-idade ou em idosos.

B. Episódios abruptos de profunda amnésia em todas as modalidades.

C. Totalmente vígil, memória distante intacta.

D. Usualmente dura várias horas.

E. Muito confuso e perplexo após o episódio, podendo repetidamente perguntar aos outros o que ocorreu.

F. Causa desconhecida, porém, possivelmente, é vascular cerebral.

XIII. Síndromes orgânicas delirante, de humor e ansiosa; alucinose orgânica

 


A. Semelhantes aos diagnósticos funcionais, exceto pelos proeminentes sintomas devidos a um fator orgânico específico.

B. Normal, em outras áreas cognitivas.

C. As etiologias incluem endocrinopatias, estados de deficiência, doenças do tecido conectivo, distúrbios do SNC e efeitos tóxicos das medicações.

XIV. Outras síndromes/distúrbios

 


A. Síndrome orgânica da personalidade


1. Alteração clara e persistente da personalidade
2. Vários tipos

a. Instabilidade afetiva, irritabilidade, ansiedade.
b. Explosões ou agressão inapropriadas.
c. Comprometimento da capacidade de julgamento social.
d. Apatia e indiferença.
e. Suspicácia ou ideação paranóide.

3. Este diagnóstico não pode ser feito em criança ou adolescente se as manifestações clínicas forem de distúrbio de hiperatividade por déficit de atenção (DHDA).
4. As etiologias usualmente envolvem lesão cerebral estrutural

B. Lúpus eritematoso sistêmico (LES)

1. Uma das doenças vasculares do colágeno com envolvimento direto do SNC (as outras incluem a poliarterite nodosa e a arterite temporal).
2. Sintomas mentais comuns (60%), podendo ser precoces.
3. Não há forma ou padrão característicos.
4. Delirium constitui a síndrome mental mais comum.
5. Depressão psicótica mais comum do que esquizofreniforme.
6. Pode evoluir para demência.
7. Crises epilépticas são comuns (50%), incluindo grande mal e lobo temporal.
8. Vários distúrbios de movimento.

C. Enxaqueca

 


1. Sintomas psiquiátricos em pacientes com enxaqueca:


a. Alterações da memória: 10%
b. Delirium: 6%
c. Alucinações: 6%
d. Alteração da imagem corporal: 6%
e. Depressão: 4%

2. Enxaqueca crônica-  incapacitação - depressão
.


3. Elevado nível de inteligência, manifestações obsessivas.
4. 20-25% de prevalência no decorrer da vida, para toda a população.
5. Mais comum em indivíduos femininos.
6. Alguns padrões familiares.
7. Usualmente ao despertar, dor surda, latejante.
8. Gradual quanto ao início, podendo durar horas ou dias.
9. A aura é comum, com alucinações visuais, alucinações somáticas, parestesias.
10. Desencadeada por certos alimentos, estresse, alterações da temperatura.
11. Instabilidade autonômica associada (náuseas, vômitos, taquicardia atrial paroxística).
12. Etiologia pode ser vasodilatação/vasoconstrição, porém disfunções autonômicas também são possíveis.
13. Tratamento com analgésicos, opiáceos, hidroxizina, alcalóides do ergot, drogas antiinflamatórias.
14. Propranolol (lnderal) usado na profilaxia.
15. Importante psicoterapia - separar etiologia do tratamento, usar um modelo de reabilitação para comprometimento do desempenho e controle sintomático, lidar diretamente com ganho secundário. Biofeedback: hipnose, técnicas de relaxamento e modificação comportamental também são úteis.
16. Diagnósticos diferenciais freqüentes são as cefaléias tensionais, que são bilaterais, ocorrem no decorrer do dia e não apresentam pródromo.

D. Esclerose múltipla

 


1. Mais freqüente no hemisfério norte.
2. Alterações psiquiátricas são comuns (75%).
3. Depressão é comum na fase inicial.
4. Mais tarde, com envolvimento do lobo frontal, ocorrem desinibição e sintomas maniformes, incluindo euforia.
5. Deterioração intelectual freqüente (60%), variando de leve perda de memória à demência.
6. Há relatos de psicose, porém a freqüência é incerta.
7. Histeria comum, especialmente em fases tardias.
8. Sintomas exacerbados por traumas físicos ou emocionais.
9. Deve ser submetido à RMN.

E. Epilepsia

 


1. Síndromes confusionais ictal e pós-ictal.
2. Sete por cento de prevalência de psicose, na epilepsia.
3. Epilepsia três a sete vezes mais freqüente, em pacientes psicóticos.
4. Dez por cento de prevalência de psicose no decorrer da vida, em epilépticos.
5. Crises x pseudocrises (Veja Quadro 3-9)
6. Epilepsia de lobo temporal (ELT)

 


 

 

a. A ELT tem a maior probabilidade de sintomas psiquiátricos.

b. Freqüentes psicoses semelhantes à esquizofrenia.

c. Freqüentemente de difícil distinção em realação à esquizofrenia com agressividade.

d. Auras variadas e complexas que podem simular doença funcional, como, por exemplo, alucinações, despersonalização, desrealização.

e. Automatismos, efeitos autonômicos e sensações viscerais, como, por exemplo, aura epigástrica, revolvimento gástrico, salivação, rubor, taquicardia, tontura.

f. Alteração das experiências perceptuais, como, por exemplo, distorções, alucinações, despersonalização, sensação de estar remoto, sensação de que algo tem um significado peculiar, déjà vu, jamais vu.

g. Alucinações gustativas e olfativas são comuns e podem acompanhar-se de movimentos labiais de beijo ou lábios franzidos, mastigação ou movimentos de saborear e deglutir.

h. Distúrbios subjetivos do pensamento e da memória.

i. Fortes experiências afetivas, geralmente medo e ansiedade.

F. Tumores cerebrais

 


1. Sinais neurológicos, cefaléia, náuseas/vômitos, crises epilépticas, perda da visão, papiledema, virtualmente possíveis quaisquer sintomas psiquiátricos.
2. Sintomas freqüentemente devidos à elevação da pressão intracraniana ou efeitos de massa, e não a efeitos diretos do tumor.
3. Ideações suicidas presentes em 10%, usualmente durante os paroxismos de cefaléia.
4. Apesar de raros na prática psiquiátrica, a maioria dos pacientes com tumores cerebrais apresenta sintomas psiquiátricos.

a. Tumores lentos ® alterações da personalidade.
b. Tumores rápidos ® alterações cognitivas.

5. Tumores de lobo frontal - depressão, afeto inapropriadó, desinibição, demência, comprometimento da coordenação, sintomas psicóticos. Freqüentemente diagnosticados como demência degenerativa primária, sinais neurológicos freqüentemente ausentes.
6. Tumores de lobo temporal - ansiedade, depressão, alucinações (especialmente gustativas e olfativas), sintomas de ELT, psicose esquizofreniforme.
7. Tumores de lobo parietal - menos sintomas psiquiátricos (anosognosia, apraxia, afasia); podem ser confundidos com histeria.

G. Traumas cranioencefálicos

 


1. Ampla gama de quadros clínicos agudos e crônicos.
2. Duração da desorientação é um guia aproximado do prognóstico.
3. Imagem cerebral demonstra a clássica lesão contrecoup, edema agudo.
4. Agudos - amnésia (amnésia pós-traumática freqüentemente desaparece de forma espontânea), agitação, retraimento, psicose (psicose pós-traumática aguda), delirium, entre outros.
5. Crônicos amnésia, psicose, distúrbios do humor, alterações da personalidade e (raramente) demência.
6. Fatores que afetam a evolução - constituição mental, personalidade pré-mórbida, epilepsia (afeta muito a capacidade de trabalho), ambiente, litígio, repercussão emocional da lesão, resposta a perdas intelectuais e quantidade e localização da lesão cerebral.
7. Dentro de limites, a capacidade do paciente de lidar com a situação pode afetar a evolução muito mais do.que o tamanho da lesão cerebral.

H. Intoxicação por metais pesados.

 


l. Chumbo
. Cólicas abdominais, neuropatia por chumbo, encefalopatia por chumbo. Pode manifestar-se como delirium agudo, crises epilépticas, elevação da pressão arterial (PA), comprometimento da memória e da concentração, cefaléia, tremores, surdez, afasia transitória e hemianopsia. Cefaléia crônica, depressão, fraqueza, vertigem, hiperestesia para estímulos visuais e auditivos. Tratamento com lactato de cálcio, leite, agentes quelantes.

2. Mercúrio. Síndroma de Mad Hatter (termômetros, fotogravadores, trabalhadores de minas, tintas para impressões digitais, trabalhadores de indústrias químicas, consertadores de medidores elétricos, indústria de chapéus de feltro) - gastrite, sangramento gengival, salivação excessiva, tremor grosseiro com movimentos grosseiramente tremidos. Apresenta-se nervoso, tímido, ruboriza-se facilmente; embaraça-se em situações sociais; irritável e querelante; perde a calma com facilidade.

3. Manganês (mineradores, baterias secas, alvejantes, soldas). Cefaléia; astenia; torpor; hipersônia; impotência; riso e choro incontroláveis; impulsos de correr, dançar, cantar ou falar; pode cometer crimes estúpidos. Mais tarde, ocorre desenvolvimento de síndrome de Parkinson.

4. Arsênico (indústrias de peles e de vidro, inseticidas). Dermatite crônica, conjuntivite, lacrimejamento, anorexia, cefaléia, vertigem, apatia, sonolência, comprometimento intelectual, neurite periférica. Pode manifestar-se,, eventualmente, como psicose de Korsakoff.

5. Tálio (pesticidas). Formigamento, dor abdominal, vômitos, cefaléia, taquicardia, gastrite, halitose, alopécia, ataxia, parestesias, neuropatia periférica, neurite retrobulbar, tremor, coréia, atetose, espasmos mioclônicos, comprometimento da consciência, depressão, crises epilépticas, delirium.

 

* Bibliografia:

 

Kaplan & Sadock, tenth edition

Yudovsky.