Belo Horizonte / MG - quinta-feira, 28 de março de 2024

Estabilizadores do Humor: lítio, valproato, carbamazepina e outros

ESTABILIZADORES DO HUMOR  

O  transtorno  do  humor  bipolar  (THB)  é  um  transtorno mental  grave   que acomete   indivíduos   jovens,   cujo  curso  em  geral  é  crônico  e  muitas  vezes incapacitante. 

No controle dos seus sintomas a farmacoterapia  é   fundamental.

Além disso,   abordagens psico-educativas,  individuais ou em grupo e  incluindo os  familiares,  com  informações  sobre  a  doença  (sintomas,  períodos  de  crise, etiologia, curso e prognóstico, estresses  indutores), sobre as drogas   utilizadas (doses, tempo de uso, efeitos colaterais, controles laboratoriais), sobre aspectos nutricionais,  exercícios  físicos,  impactos  sociais  são  de  grande  utilidade, particularmente  para manter  a  adesão  ao  tratamento  que  é  de  longo  prazo  e sujeito a  intercorrências.   

Desenvolver no paciente a capacidade de  identificar os sinais precoces do  início de um novo episódio de mania ou depressão e de

lidar  com os  fatores desencadeantes, é uma estratégia de grande valor para a prevenção de recaídas.

Na  tabela 6 estão os estabilizadores do   humor em uso na  atualidade,  as  doses  diárias  e  níveis  séricos  recomendados.  Lítio,  ácido valpróico,  carbamazepina  são  as  drogas   consideradas  de  primeira  linha.

Recentemente  outros  anticonvulsivantes  como  o  topiramato,  a  lamotrigina,  a gabapentina  vem  sendo  testados,  bem  como  a  olanzapina.  A  eficácia  destes novos compostos, no THB não está estabelecida de forma consistente.  

Tabela  6  

Estabilizadores  do  humor,  doses  diárias  e  níveis  séricos 

recomendados 

 DROGAS                       DOSES DIÁRIAS (mg)       NÍVEIS SÉRICOS

Lítio (Carbolitium )                 900 - 2100               0,6 - 1,2 mEq/ml

Carbamazepina (Tegretol )              400   1600             8 - 12  g / ml 

Ácido valpróico/valproato           500 - 1800            50 - 120  g /

Lamotrigina (Lamictal )                     150-250                      ______

Topiramato (Topamax )                200-600                     _________     

Gabapentina (Neurontin)            900-1800                 ________    

1 - Lítio    

1.1 - Indicações e contra-indicações  

O  lítio é utilizado no  tratamento e na profilaxia de episódios agudos   tanto maníacos como depressivos do transtorno do humor bipolar, na ciclotimia, como potencializador  dos  antidepressivos   em  pacientes  com   depressão  maior unipolar, que  respondem parcialmente ou não  respondem   aos antidepressivos, em episódios de agressividade e de descontrole do comportamento.   

O lítio deve ser evitado nos pacientes chamados de cicladores rápidos (4 ou mais episódios por ano), pois   a  resposta  tem sido  insatisfatória; em pacientes com  insuficiência  renal,   disfunção  do  nódulo  sinusal,  arritmias  ventriculares graves,  e  com  insuficiência  cardíaca  congestiva. 

Pacientes  que  apresentam vários  episódios  de mania,  depressão  seguida  de mania, mania  grave, mania secundária,  adolescentes  com  abuso  de  drogas  como  comorbidade  também respondem pobremente ao lítio.

Em pacientes  com hipotireoidismo pode-se usar o  lítio  se  for  acrescentado o hormônio da  tireóide.

Na gravidez, o  lítio deve  se possível  ser  evitado  no  primeiro  trimestre.   Para  o  seu  eventual  uso  deve-se levar em conta  a relação entre o risco de ocorrerem malformações com o uso do lítio, ou sem o seu uso, caso houver descontrole dos sintomas (WGBD,2002). 

1.2 - Efeitos colaterais e reações adversas   

Os mais comuns são acne, aumento do apetite, edema,  fezes amolecidas, ganho  de  peso,  gosto  metálico,  leucocitose,  náuseas,  polidipsia,  poliúria, tremores finos.  É importante destacar que o lítio tem uma faixa de níveis séricos terapêuticos bastante estreita, podendo facilmente atingir níveis tóxicos (vômitos, dor abdominal, ataxia, tonturas, tremores grosseiros, disartria, nistagmo, letargia,

fraqueza muscular, que podem evoluir para o estupor, coma,   queda acentuada de pressão, parada do funcionamento renal e morte).  

1.3 - Uso clínico e doses diárias  

Antes  de  iniciar  o  tratamento  com  lítio,  é  necessário  um  exame  clínico  e laboratorial  incluindo  dosagem  de  creatinina,  uréia,  eletrólitos,  T4  livre,  TSH, hemograma,  eletrocardiograma  (em  pessoas  com  mais  de  40  anos  ou  com possibilidade  de  apresentarem  cardiopatias)  e  teste  de  gravidez,  se  houver algum risco.  

No uso do lítio é fundamental o controle laboratorial dos níveis séricos   que, no  início devem  ser  verificados 5 dias após   a estabilização das doses,  sendo que o sangue deve ser coletado 12 horas após a última tomada (+ ou   2 horas).

O nível sérico para o tratamento da fase aguda da mania deve estar entre 0,9 e 1,2 mEq/l,  e  na  fase  de manutenção,  entre  0,6  e  0,9 mEq/l.

A  dose  para  uso como potencializador de antidepressivo é de 600 a 900 mg/dia (0,4 a 0,6 mEq/l no sangue) e deve ser utilizado por 2 meses, no mínimo.

1.4 - Mecanismos de ação  

O  lítio é um  cátion monovalente que,  se acredita,   interfere   nos  sistemas intracelulares  de  segundos  mensageiros.  Ele  inibiria  vários  passos  do metabolismo  do   inositol  trifosfato  (IP3),  e  da   fosfoquinase,   interferindo   na  transdução de sinais, na transcrição  e na expressão gênica, através da síntese de  novas  proteínas.  Esses  efeitos  teriam  influência  em  vários  aspectos  do funcionamento  neuronal,  e  provavelmente  seriam  os  responsáveis  pela  ação profilática do uso continuado do lítio nos transtornos bipolares do humor (Lenox e Manji, 1995; Shansis et al, 2000). 

2 - Acido valpróico, divalproato

2.1 - Indicações e contra-indicações  

    O  ácido  valpróico  é  um  anticonvulsivante  tradicionalmente  utilizado  na epilepsia: crises de ausência simples ou complexas, e em outros tipos. Pode ser de   liberação  gástrica  (ácido  valpróico)  ou  entérica  (divalproato),  que  é melhor tolerada. É  tão eficaz quanto o  lítio no  tratamento da mania e mais eficaz   em cicladores  rápidos e mania disfórica  (Bowden et al. 1994; WGBD, 2002).   Tem sido  preferido  ainda   em  quadros   maníacos  de  pacientes  com  traumatismo craniano, e em  bipolares refratários ao lítio e/ou carbamazepina.

O uso do ácido valpróico deve ser evitado em pacientes que apresentam  insuficiência hepática, hepatite,  hipersensibilidade à droga e durante a gravidez.    

2. 2 - Efeitos colaterais e reações adversas  

Os efeitos  colaterais mais  comuns  são: ataxia, aumento do apetite, ganho de  peso,  desatenção,  fadiga,  náuseas  sonolência,  sedação,  diminuição  dos reflexos,  tremores, tonturas (Swann, 2001).  

2.3 - Uso clínico e doses diárias   

As doses diárias recomendadas variam de  750/2500 mg, divididos em três tomadas.  No  tratamento  da  mania  aguda  recomenda-se  que  sejam  atingidos níveis  séricos  de  50-100µg/ml,  embora  não  esteja  bem  estabelecido,  como  no lítio, que exista uma correlação entre os níveis séricos e a eficácia clínica.  

2.4 - Mecanismo de ação  

O  mecanismo  de  ação  do  ácido  valpróico  não  é  totalmente  conhecido. Acredita-se que ele atue tanto na mania quanto na epilepsia através de  diversos mecanismos  que  teriam  como  efeito  um  aumento  da  atividade  gabaérgica cerebral  (inibitória):  inibiria o catabolismo do GABA, aumentando sua  liberação, diminuindo seu turnover, e aumentando a densidade de receptores GABA B.   

3 - Carbamazepina  

A  carbamazepina   é  um  anticonvulsivante  utilizado  em  diferentes  tipos  de epilepsia, especialmente epilepsia do lobo temporal, e que desde a década de 80 vem  sendo  utilizada  no  tratamento  de  quadros  maníacos.  Sua  eficácia   é comparável à do  lítio, no  tratamento agudo da mania  (Post et al, 1996; Ketter, 2002).  

3.1 - Indicações e contra-indicações  

A carbamazepina é utilizada  em pacientes não-responsivos ao lítio, ou que não o  toleram, e na mania não clássica. Em pacientes maníacos hospitalizados se revelou tão eficaz quanto o lítio (Small et al. 1991).  Em cicladores rápidos, na mania  disfórica,  e  na  mania  grave  as  evidências  de  resposta  não  são  tão  consistentes( Ketter et al, 2002).

É utilizada ainda para  potencialização do efeito do  lítio  quando  a  resposta  é  parcial,  e  em  quadros  de  agressividade  ou descontrole  dos  impulsos.  É  contra-indicada  em   pacientes  com  doença  hepática, trombocitopenia, ou em pacientes que estejam usando clozapina (pode agravar problemas hematológicos). 

3.2 - Efeitos colaterais  e reações adversas   

Os  efeitos  colaterais mais  comuns  da  carbamazepina  são  ataxia,  diplopia, dor epigástrica, toxicicidade hepática, náuseas, prurido,   rash cutâneo, sedação, sonolência, tonturas (Swan, 2001).  

3.3   Uso clínico e doses diárias   

As doses diárias variam de 400 a 1600 mg/dia, em média 1000 a 1200mg, e devem ser aumentadas aos poucos para evitar efeitos colaterais como sedação, tonturas e ataxia. A recomendação de que sejam atingidos níveis séricos de 8 a 12  µg/ml  é  baseada  no  seu  uso  como  anticonvulsivante,  mas  não  foi estabelecida uma correlação dos níveis séricos com a eficácia clínica. 

3.4 - Mecanismos de ação  

As ações anticonvulsivantes da  carbamazepina parecem ser exercidas em nível  da  amígdala  por  meio  de  receptores  benzodiazepínicos  centrais.

Estimularia  a  formação  da  pregnenolona,  um  esteróide  neuroativo,  que  atuaria em  tais  receptores.  Atuaria  ainda  sobre  a  noradrenalina  e  o GABA  (diminui  o turnover do GABA), e sobre receptores glutamatérgicos do  tipo NMDA (Shansis et al, 2000). 

4 - Outros estabilizadores do humor  

Outros  anticonvulsivantes  estão  sendo  propostos  para  o  uso  como estabilizadores do humor: a lamotrigina,  o topiramato e a gabapentina (Marcotte, 1998; Calabrese et al.1999; Calabrese et al. 2001; Calabrese et al. 2002, Zerjav-Lacombe, 2001). Embora os primeiros resultados sejam promissores sua eficácia no THB, entretanto, não foi ainda firmemente estabelecida. O topiramato apresenta uma vantagem sobre os demais: a perda de peso. A olanzapina foi recentemente aprovada pelo FDA para o uso no transtorno bipolar, em monoterapia. 

5   Diretrizes para o tratamento farmacológico  do Transtorno Bipolar 

5.1 - Mania  aguda  e hipomania  

No  tratamento  agudo  e  de manutenção  dos  diferentes  quadros maníacos (mania  clássica,  hipomania,  ciclagem  rápida)  inicia-se,  em  geral  com  um  dos estabilizadores do humor de primeira  linha  (lítio, ácido valpróico), associado ou não  a  benzodiazepínicos  ou  antipsicóticos  (Schatzberg,  1998;  Bowden,  1998; Bauer, 1999; Goldberg, 2000; Suppes et al. 2001,2002).

A resposta favorável ao lítio está associada à presença de humor eufórico, um padrão clássico de mania seguida  de  depressão,  recuperação  completa  entre  os  episódios,  poucos episódios  prévios,  uma  história   pessoal  de  resposta  ao  lítio,  e  uma  história familiar  de  resposta  ao  lítio  ou  de  transtorno  bipolar  (Bowden  ,1995;  Ketter  e Wang, 2002). A resposta pode demorar de duas a 4 semanas e está associada, como  já vimos, a valores séricos que devem se situar, para o  lítio, entre    entre 1,0 e 1,2 mEq/l, na fase aguda.   

Se  associado  ao  quadro  de mania  existe   inquietude  ou  insônia  intensas, pode-se  associar  benzodiazepínicos  potentes  como  o  clonazepam  (Bowden, 1998). 

Se  ocorrerem   sintomas  psicóticosagitação  psicomotora  ou

agressividade,  são  utilizados  antipsicóticos:  haloperidol,  risperidona  ou  a olanzapina. Os novos antipsicóticos eventualmente estão sendo propostos como terapia  isolada  nos  episódios  maníacos  agudos  (risperidona,  olanzapina, ziprazidona) (Lakshmi, 2002, WGBD 2002).   

5.2 - Ciclagem rápida  

A  ciclagem  rápida  é  definida  como   a  ocorrência  de  4  ou mais  episódios durante um ano, e é   comum com o uso prolongado do  lítio.  A resposta, neste quadro,  é  mais  favorável  quando  são  utilizados  o  ácido  valpróico  e  a carbamazepina (Bowden e cols., 1994, Bowden e cols., 1995;  Calabrese e cols., 1992, McElroy e cols., 1988). 

5.3 - Episódio misto  

A  resposta  ao  lítio  de  episódios mistos  é  pobre.  Por  este motivo  o  ácido valpróico  tem sido a droga preferida  (Freeman et al. 1992; Swann et al. 1997).

Se houver inquietude ou insônia intensas, pode-se associar o clonazepam, e se o paciente apresenta também sintomas psicóticos, associa-se antipsicóticos, como no episódio maníaco. 

5.4 - Episódio depressivo   

O  lítio  tem  sido  usado   na  depressão  bipolar, mas  nem  sempre  é   eficaz. Caso  não  haja  resposta  e  ele  esteja  sendo  utilizado  nas  doses  máximas recomendadas, a alternativa é associar um antidepressivo: bupropriona ou ISRS (paroxetina, citalopram) que,  em princípio, tenderiam a provocar menos viradas maníacas, do que os tricíclicos, mantendo-se o antidepressivo pelo menor tempo possível.

Uma alternativa é o uso da lamotrigina (Calabrese,  et al. 1999; WGBD, 2002).    

6 - Terapia de manutenção e prevenção de recaídas    

O THB é um  transtorno crônico com alto  índice de  recorrências. A  taxa de recaída após um episódio de mania aguda com o uso de  lítio situa-se em  torno de  34%,   e  com  o  placebo,  em  torno  de  81%  (Goodwin  e  Jamison,  1990). 

Depois  de  um  primeiro  episódio,  com  remissão  completa  dos  sintomas  recomenda-se o uso  do lítio por pelo menos 6 meses, mantendo a litemia  entre 0,6 a 0,8 mEq/l,  pois este é o período de maior risco de recaídas, (Berghöfer e cols., 1996; Vestergaard e cols., 1998; Tondo et al. 1998).

Se o primeiro episódio de mania  for bastante grave, psicótico ou causar  importante  ruptura na vida do paciente, ou se  for seguido de  ciclotimia, o tratamento de manutenção deve ser bastante  longo, podendo durar   de até 4 anos, ou até mais. Uma alternativa ao lítio é o ácido valpróico. A eficácia da  carbamazepina em prevenir recaídas  não está bem estabelecida (WGBD, 2002).  

Em pacientes  refratários pode-se usar uma combinação de estabilizadores de  humor usualmente  um  anticonvulsivante  com  o  lítio;  pode-se  ainda acrescentar um antipsicótico, e eventualmente até a clozapina.