ESTABILIZADORES DO HUMOR
O transtorno do humor bipolar (THB) é um transtorno mental grave que acomete indivíduos jovens, cujo curso em geral é crônico e muitas vezes incapacitante.
No controle dos seus sintomas a farmacoterapia é fundamental.
Além disso, abordagens psico-educativas, individuais ou em grupo e incluindo os familiares, com informações sobre a doença (sintomas, períodos de crise, etiologia, curso e prognóstico, estresses indutores), sobre as drogas utilizadas (doses, tempo de uso, efeitos colaterais, controles laboratoriais), sobre aspectos nutricionais, exercícios físicos, impactos sociais são de grande utilidade, particularmente para manter a adesão ao tratamento que é de longo prazo e sujeito a intercorrências.
Desenvolver no paciente a capacidade de identificar os sinais precoces do início de um novo episódio de mania ou depressão e de
lidar com os fatores desencadeantes, é uma estratégia de grande valor para a prevenção de recaídas.
Na tabela 6 estão os estabilizadores do humor em uso na atualidade, as doses diárias e níveis séricos recomendados. Lítio, ácido valpróico, carbamazepina são as drogas consideradas de primeira linha.
Recentemente outros anticonvulsivantes como o topiramato, a lamotrigina, a gabapentina vem sendo testados, bem como a olanzapina. A eficácia destes novos compostos, no THB não está estabelecida de forma consistente.
Tabela 6
Estabilizadores do humor, doses diárias e níveis séricos
recomendados
DROGAS DOSES DIÁRIAS (mg) NÍVEIS SÉRICOS
Lítio (Carbolitium ) 900 - 2100 0,6 - 1,2 mEq/ml
Carbamazepina (Tegretol ) 400 1600 8 - 12 g / ml
Ácido valpróico/valproato 500 - 1800 50 - 120 g /
Lamotrigina (Lamictal ) 150-250 ______
Topiramato (Topamax ) 200-600 _________
Gabapentina (Neurontin) 900-1800 ________
1 - Lítio
1.1 - Indicações e contra-indicações
O lítio é utilizado no tratamento e na profilaxia de episódios agudos tanto maníacos como depressivos do transtorno do humor bipolar, na ciclotimia, como potencializador dos antidepressivos em pacientes com depressão maior unipolar, que respondem parcialmente ou não respondem aos antidepressivos, em episódios de agressividade e de descontrole do comportamento.
O lítio deve ser evitado nos pacientes chamados de cicladores rápidos (4 ou mais episódios por ano), pois a resposta tem sido insatisfatória; em pacientes com insuficiência renal, disfunção do nódulo sinusal, arritmias ventriculares graves, e com insuficiência cardíaca congestiva.
Pacientes que apresentam vários episódios de mania, depressão seguida de mania, mania grave, mania secundária, adolescentes com abuso de drogas como comorbidade também respondem pobremente ao lítio.
Em pacientes com hipotireoidismo pode-se usar o lítio se for acrescentado o hormônio da tireóide.
Na gravidez, o lítio deve se possível ser evitado no primeiro trimestre. Para o seu eventual uso deve-se levar em conta a relação entre o risco de ocorrerem malformações com o uso do lítio, ou sem o seu uso, caso houver descontrole dos sintomas (WGBD,2002).
1.2 - Efeitos colaterais e reações adversas
Os mais comuns são acne, aumento do apetite, edema, fezes amolecidas, ganho de peso, gosto metálico, leucocitose, náuseas, polidipsia, poliúria, tremores finos. É importante destacar que o lítio tem uma faixa de níveis séricos terapêuticos bastante estreita, podendo facilmente atingir níveis tóxicos (vômitos, dor abdominal, ataxia, tonturas, tremores grosseiros, disartria, nistagmo, letargia,
fraqueza muscular, que podem evoluir para o estupor, coma, queda acentuada de pressão, parada do funcionamento renal e morte).
1.3 - Uso clínico e doses diárias
Antes de iniciar o tratamento com lítio, é necessário um exame clínico e laboratorial incluindo dosagem de creatinina, uréia, eletrólitos, T4 livre, TSH, hemograma, eletrocardiograma (em pessoas com mais de 40 anos ou com possibilidade de apresentarem cardiopatias) e teste de gravidez, se houver algum risco.
No uso do lítio é fundamental o controle laboratorial dos níveis séricos que, no início devem ser verificados 5 dias após a estabilização das doses, sendo que o sangue deve ser coletado 12 horas após a última tomada (+ ou 2 horas).
O nível sérico para o tratamento da fase aguda da mania deve estar entre 0,9 e 1,2 mEq/l, e na fase de manutenção, entre 0,6 e 0,9 mEq/l.
A dose para uso como potencializador de antidepressivo é de 600 a 900 mg/dia (0,4 a 0,6 mEq/l no sangue) e deve ser utilizado por 2 meses, no mínimo.
1.4 - Mecanismos de ação
O lítio é um cátion monovalente que, se acredita, interfere nos sistemas intracelulares de segundos mensageiros. Ele inibiria vários passos do metabolismo do inositol trifosfato (IP3), e da fosfoquinase, interferindo na transdução de sinais, na transcrição e na expressão gênica, através da síntese de novas proteínas. Esses efeitos teriam influência em vários aspectos do funcionamento neuronal, e provavelmente seriam os responsáveis pela ação profilática do uso continuado do lítio nos transtornos bipolares do humor (Lenox e Manji, 1995; Shansis et al, 2000).
2 - Acido valpróico, divalproato
2.1 - Indicações e contra-indicações
O ácido valpróico é um anticonvulsivante tradicionalmente utilizado na epilepsia: crises de ausência simples ou complexas, e em outros tipos. Pode ser de liberação gástrica (ácido valpróico) ou entérica (divalproato), que é melhor tolerada. É tão eficaz quanto o lítio no tratamento da mania e mais eficaz em cicladores rápidos e mania disfórica (Bowden et al. 1994; WGBD, 2002). Tem sido preferido ainda em quadros maníacos de pacientes com traumatismo craniano, e em bipolares refratários ao lítio e/ou carbamazepina.
O uso do ácido valpróico deve ser evitado em pacientes que apresentam insuficiência hepática, hepatite, hipersensibilidade à droga e durante a gravidez.
2. 2 - Efeitos colaterais e reações adversas
Os efeitos colaterais mais comuns são: ataxia, aumento do apetite, ganho de peso, desatenção, fadiga, náuseas sonolência, sedação, diminuição dos reflexos, tremores, tonturas (Swann, 2001).
2.3 - Uso clínico e doses diárias
As doses diárias recomendadas variam de 750/2500 mg, divididos em três tomadas. No tratamento da mania aguda recomenda-se que sejam atingidos níveis séricos de 50-100µg/ml, embora não esteja bem estabelecido, como no lítio, que exista uma correlação entre os níveis séricos e a eficácia clínica.
2.4 - Mecanismo de ação
O mecanismo de ação do ácido valpróico não é totalmente conhecido. Acredita-se que ele atue tanto na mania quanto na epilepsia através de diversos mecanismos que teriam como efeito um aumento da atividade gabaérgica cerebral (inibitória): inibiria o catabolismo do GABA, aumentando sua liberação, diminuindo seu turnover, e aumentando a densidade de receptores GABA B.
3 - Carbamazepina
A carbamazepina é um anticonvulsivante utilizado em diferentes tipos de epilepsia, especialmente epilepsia do lobo temporal, e que desde a década de 80 vem sendo utilizada no tratamento de quadros maníacos. Sua eficácia é comparável à do lítio, no tratamento agudo da mania (Post et al, 1996; Ketter, 2002).
3.1 - Indicações e contra-indicações
A carbamazepina é utilizada em pacientes não-responsivos ao lítio, ou que não o toleram, e na mania não clássica. Em pacientes maníacos hospitalizados se revelou tão eficaz quanto o lítio (Small et al. 1991). Em cicladores rápidos, na mania disfórica, e na mania grave as evidências de resposta não são tão consistentes( Ketter et al, 2002).
É utilizada ainda para potencialização do efeito do lítio quando a resposta é parcial, e em quadros de agressividade ou descontrole dos impulsos. É contra-indicada em pacientes com doença hepática, trombocitopenia, ou em pacientes que estejam usando clozapina (pode agravar problemas hematológicos).
3.2 - Efeitos colaterais e reações adversas
Os efeitos colaterais mais comuns da carbamazepina são ataxia, diplopia, dor epigástrica, toxicicidade hepática, náuseas, prurido, rash cutâneo, sedação, sonolência, tonturas (Swan, 2001).
3.3 Uso clínico e doses diárias
As doses diárias variam de 400 a 1600 mg/dia, em média 1000 a 1200mg, e devem ser aumentadas aos poucos para evitar efeitos colaterais como sedação, tonturas e ataxia. A recomendação de que sejam atingidos níveis séricos de 8 a 12 µg/ml é baseada no seu uso como anticonvulsivante, mas não foi estabelecida uma correlação dos níveis séricos com a eficácia clínica.
3.4 - Mecanismos de ação
As ações anticonvulsivantes da carbamazepina parecem ser exercidas em nível da amígdala por meio de receptores benzodiazepínicos centrais.
Estimularia a formação da pregnenolona, um esteróide neuroativo, que atuaria em tais receptores. Atuaria ainda sobre a noradrenalina e o GABA (diminui o turnover do GABA), e sobre receptores glutamatérgicos do tipo NMDA (Shansis et al, 2000).
4 - Outros estabilizadores do humor
Outros anticonvulsivantes estão sendo propostos para o uso como estabilizadores do humor: a lamotrigina, o topiramato e a gabapentina (Marcotte, 1998; Calabrese et al.1999; Calabrese et al. 2001; Calabrese et al. 2002, Zerjav-Lacombe, 2001). Embora os primeiros resultados sejam promissores sua eficácia no THB, entretanto, não foi ainda firmemente estabelecida. O topiramato apresenta uma vantagem sobre os demais: a perda de peso. A olanzapina foi recentemente aprovada pelo FDA para o uso no transtorno bipolar, em monoterapia.
5 Diretrizes para o tratamento farmacológico do Transtorno Bipolar
5.1 - Mania aguda e hipomania
No tratamento agudo e de manutenção dos diferentes quadros maníacos (mania clássica, hipomania, ciclagem rápida) inicia-se, em geral com um dos estabilizadores do humor de primeira linha (lítio, ácido valpróico), associado ou não a benzodiazepínicos ou antipsicóticos (Schatzberg, 1998; Bowden, 1998; Bauer, 1999; Goldberg, 2000; Suppes et al. 2001,2002).
A resposta favorável ao lítio está associada à presença de humor eufórico, um padrão clássico de mania seguida de depressão, recuperação completa entre os episódios, poucos episódios prévios, uma história pessoal de resposta ao lítio, e uma história familiar de resposta ao lítio ou de transtorno bipolar (Bowden ,1995; Ketter e Wang, 2002). A resposta pode demorar de duas a 4 semanas e está associada, como já vimos, a valores séricos que devem se situar, para o lítio, entre entre 1,0 e 1,2 mEq/l, na fase aguda.
Se associado ao quadro de mania existe inquietude ou insônia intensas, pode-se associar benzodiazepínicos potentes como o clonazepam (Bowden, 1998).
Se ocorrerem sintomas psicóticos, agitação psicomotora ou
agressividade, são utilizados antipsicóticos: haloperidol, risperidona ou a olanzapina. Os novos antipsicóticos eventualmente estão sendo propostos como terapia isolada nos episódios maníacos agudos (risperidona, olanzapina, ziprazidona) (Lakshmi, 2002, WGBD 2002).
5.2 - Ciclagem rápida
A ciclagem rápida é definida como a ocorrência de 4 ou mais episódios durante um ano, e é comum com o uso prolongado do lítio. A resposta, neste quadro, é mais favorável quando são utilizados o ácido valpróico e a carbamazepina (Bowden e cols., 1994, Bowden e cols., 1995; Calabrese e cols., 1992, McElroy e cols., 1988).
5.3 - Episódio misto
A resposta ao lítio de episódios mistos é pobre. Por este motivo o ácido valpróico tem sido a droga preferida (Freeman et al. 1992; Swann et al. 1997).
Se houver inquietude ou insônia intensas, pode-se associar o clonazepam, e se o paciente apresenta também sintomas psicóticos, associa-se antipsicóticos, como no episódio maníaco.
5.4 - Episódio depressivo
O lítio tem sido usado na depressão bipolar, mas nem sempre é eficaz. Caso não haja resposta e ele esteja sendo utilizado nas doses máximas recomendadas, a alternativa é associar um antidepressivo: bupropriona ou ISRS (paroxetina, citalopram) que, em princípio, tenderiam a provocar menos viradas maníacas, do que os tricíclicos, mantendo-se o antidepressivo pelo menor tempo possível.
Uma alternativa é o uso da lamotrigina (Calabrese, et al. 1999; WGBD, 2002).
6 - Terapia de manutenção e prevenção de recaídas
O THB é um transtorno crônico com alto índice de recorrências. A taxa de recaída após um episódio de mania aguda com o uso de lítio situa-se em torno de 34%, e com o placebo, em torno de 81% (Goodwin e Jamison, 1990).
Depois de um primeiro episódio, com remissão completa dos sintomas recomenda-se o uso do lítio por pelo menos 6 meses, mantendo a litemia entre 0,6 a 0,8 mEq/l, pois este é o período de maior risco de recaídas, (Berghöfer e cols., 1996; Vestergaard e cols., 1998; Tondo et al. 1998).
Se o primeiro episódio de mania for bastante grave, psicótico ou causar importante ruptura na vida do paciente, ou se for seguido de ciclotimia, o tratamento de manutenção deve ser bastante longo, podendo durar de até 4 anos, ou até mais. Uma alternativa ao lítio é o ácido valpróico. A eficácia da carbamazepina em prevenir recaídas não está bem estabelecida (WGBD, 2002).
Em pacientes refratários pode-se usar uma combinação de estabilizadores de humor usualmente um anticonvulsivante com o lítio; pode-se ainda acrescentar um antipsicótico, e eventualmente até a clozapina.