O médico deve utilizar seis passos básicos para avaliar os sintomas e chegar a um diagnóstico diferencial.
Os critérios do DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística em Saúde Mental, IV edição) contêm muitas vezes critérios de exclusão que indicam os diagnósticos que devem ser excluídos (por exemplo, quando os sintomas não são causados pelos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de um estado físico geral).
1. Excluir uma etiologia relacionada com substâncias (por exemplo, abuso de droga, medicação ou exposição a toxinas).
O uso de drogas e de fármacos é onipresente na nossa sociedade e o seu papel como causa de psicopatologia é frequentemente negligenciado.
Este passo abrange a recolha cuidadosa da história e provavelmente também a realização de um exame físico e/ou análises laboratoriais para verificar se foi usada qualquer substância.
Em caso afirmativo, o médico deve certificar-se se existe uma relação etiológica entre o Abuso de Substâncias e os sintomas psiquiátricos e de que tipo é essa relação.
Esta tarefa implica a avaliação de sequências temporais, determinando se os sintomas psiquiátricos precedem o Abuso de Substâncias ou se se desenvolvem pouco depois, e se os sintomas psiquiátricos persistem ou remitem quando cessam os efeitos do Abuso de Substâncias ou da Abstinência.
O médico deve considerar também se a natureza, quantidade e duração do Abuso de Substâncias estão de acordo com o tipo de sintomas psiquiátricos presentes.
2. Excluir uma etiologia relacionada com um estado físico geral.
Esta tarefa pode ser difícil e complicada, porque os sintomas de algumas perturbações psiquiátricas e condições médicas gerais podem ser idênticos, e algumas condições médicas (por exemplo, doença de Parkinson) podem apresentar em primeiro lugar sintomas psiquiátricos.
Os estados físicos gerais podem causar sintomas psiquiátricos através do efeito fisiológico directo sobre o sistema nervoso central (Perturbação Mental Secundária a Um Estado Físico Geral) ou podem causar sintomas como depressão ou ansiedade, que são reacções fisiológicas (Perturbação da Adaptação).
Os médicos que examinam os pacientes em ambiente de saúde mental devem ser cuidadosos ao considerar as etiologias relacionadas com estados físicos gerais, especialmente no caso de doentes com quadros atípicos.
3. Determinar a perturbação primária específica que está presente.
Após ter excluído as etiologias relacionadas com Abuso de Substâncias ou com um estado físico geral, o médico deve determinar qual é a perturbação primária que melhor descreve o quadro sintomatológico.
O DSM-IV está organizado de acordo com sintomas de apresentação (por exemplo, do humor, ansiosos, dissociativos) e o leitor deve, antes de mais, rever os diagnósticos da secção que lhe pareça mais aplicável, para determinar qual a perturbação que se integra melhor no quadro de apresentação. O DSM-IV fornece três tipos de auxílio neste processo:
4. Distinguir a Perturbação da Adaptação das categorias sem Outra Especificação.
Se os sintomas não preenchem os critérios de um diagnóstico específico do DSM-IV, mas o médico julga que existe uma perturbação mental, devem considerar-se o diagnóstico de Perturbação da Adaptação ou as categorias adequadas sem Outra Especificação.
Será diagnosticada a Perturbação da Adaptação no caso de se julgar que os sintomas são uma resposta desadaptada a um factor de stress psicossocial. Se nenhum stressor parecer responsável pelos sintomas, deve então diagnosticar-se a categoria sem Outra Especificação apropriada (por exemplo, os sintomas depressivos incapacitantes que não preencham os critérios de uma Perturbação do Humor específica e não pareçam ser resultado dos efeitos de um stressor devem ser diagnosticados como 311 Perturbação Depressiva sem Outra Especificação).
5. Traçar a fronteira com a inexistência de perturbação mental.
Os diagnósticos psiquiátricos correntes incluem muitos estados próximos da fronteira da normalidade. Para que o médico decida que está em presença de uma perturbação mental, os sintomas devem ser qualificados como responsáveis por problemas clinicamente significativos.
Por este motivo, muitos dos conjuntos de critérios do DSM-IV incluem o seguinte critério: "A perturbação provoca mal-estar significativo ou dificuldade no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas".
A determinação daquilo que é "clinicamente significativo deve basear-se no próprio julgamento do médico e deve levar em conta a envolvente ambiental e cultural do indivíduo.
Por exemplo, considerar-se-á que uma pessoa com uma fobia específica às cobras, que viva numa cidade onde estes répteis são praticamente inexistentes, não tem uma dificuldade clinicamente significativa devida à fobia.
Se a mesma pessoa se mudar para um ambiente no qual as cobras sejam comuns e considere difícil o seu funcionamento devido ao excesso de medo em encontrar tal réptil, o problema considerar-se-á clinicamente significativo, justificando o tratamento como perturbação mental.
6. Excluir a Perturbação Factícia ou a Simulação.
Infelizmente, os médicos não têm uma particular aptidão para determinar se os pacientes estão a forjar ou a provocar intencionalmente os sintomas. Para ser produtiva, a relação terapêutica entre médico e paciente deve basear-se na colaboração e na confiança.
Não obstante, os médicos não devem ser excessivamente crédulos, especialmente num ambiente em que os pacientes possam intencionalmente provocar ou forjar sintomas (por exemplo, prisões, salas de tribunal, juntas para determinação de incapacidade e serviços de murgência).
Quando um paciente provoca ou forja sintomas para obter um ganho externo (por exemplo, indemnizações de seguradoras, evitar o cumprimento de penas ou do serviço militar, ou obter drogas), considera-se que existe Simulação.
Quando o paciente provoca ou forja sintomas não para obter um ganho externo, mas para assumir o papel de doente, o médico deve considerar o diagnóstico de Perturbação Factícia.
O médico deve saber quais as perturbações mentais presentes, mas também se existem estados físicos gerais que possam influenciar o curso da perturbação mental ou a sua gestão, se existem stressores psicossociais ou ambientais que afectem o paciente e o nível actual de funcionamento do paciente.
O sistema de diagnóstico multiaxial, com os seus cinco eixos, foi desenvolvido para permitir ao médico registar todas estas informações de forma concisa.
O sistema permite que o médico avalie as perturbações mentais, incluindo as Perturbações da Personalidade ou características desadaptadas da personalidade, estados físicos gerais, problemas psicossociais e ambientais e o nível de funcionamento.
Eixo I
Todas as perturbações mentais, incluindo os problemas discriminados no capítulo que o DSM-IV dedica a Outras Condições Que Podem Ser Foco de Atenção Médica, são registadas no Eixo I
Eixo II
Perturbações da Personalidade, Deficiência Mental e do Funcionamento Intelectual Estado-Limite, que são codificados no Eixo II.
Eixo III
Os estados físicos gerais concomitantes são especificados no Eixo III, e o DSM-IV apresenta uma lista de códigos do Eixo III comummente utilizados no Apêndice G. Os problemas psicossociais e ambientais que podem afectar o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico de uma perturbação mental são anotados no Eixo IV (ver caixa seguinte).
EIXO IV
PROBLEMAS COM GRUPOS DE APOIO PRIMÁRIOS
Problemas relacionados com o ambiente social
Problemas educacionais
Problemas ocupacionais
Problemas com o alojamento
Problemas económicos
Problemas como acesso aos serviços de saúde
Problemas relacionados com o sistema judicial/crime
Outros problemas psicossociais e ambientais
O Eixo V
Proporciona um método de classificação numérica do grau de funcionamento psicológico, social e ocupacional do indivíduo. Esta escala pode auxiliar o médico a planear o tratamento e avaliar a sua eficácia, bem como apredizer os resultados.
A escala utiliza-se normalmente para classificar o grau atual de funcionamento do paciente, mas, em muitos casos, pode também ser útil determinar o grau mais elevado de funcionamento atingido durante um período de tempo mais longo (por exemplo, durante o ano anterior).
Em muitos dos casos da presente obra apresentamos a classificação AGF do grau actual de funcionamento do paciente, bem como o nível mais elevado que este atingiu no ano anterior.
Escala de Avaliação Global de Funcionamento (AGF)
ROBERT L. SPITZER, MICHAEL B. FIRST, JANET B.W. WILLIAMS, MIRIAM GIBBON Casos Clínicos – DSM IV_TR – Volume II –Armed, 2007.
Robert L. Spitzer, M.D., é professor de psiquiatria da Universidade de Columbia e Chefe do Departamento de Pesquisa Biométrica do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York. Michael B. First, M.D., é psiquiatra pesquisador do Departamento de Biometria do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, professor associado de psiquiatria clínica da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, e mantém, em Manhattan, uma prática de terapia e psicofarmacologia focalizada no esquema. Janet B. W. Williams, D.S.W., é professora de assistência social psiquiátrica clínica no Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, e chefe interina do Departamento de Pesquisa Biométrica do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York.