Belo Horizonte / MG - sexta-feira, 19 de abril de 2024

Antipsicóticos

3. ANTIPSICÓTICOS OU NEUROLÉPTICOS  

fonte:

Aristides Volpato Cordioli - Prof. Adjunto de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS, Doutor em Psiquiatria

http://www.ufrgs.br/Psiq/Caballo%206_8.pdf

 

Os antipsicóticos  ou neurolépticos passaram a ser utilizados em psiquiatria a partir da descoberta  casual de Delay  e Deniker, no início da década de 50, de que   a  clorpromazina,  além  de  produzir  sedação,  diminuía  a   intensidade  de sintomas  psicóticos.  Posteriormente  foram  introduzidos  outros  medicamentos derivados da clorpromazina as   fenotiazinas, as butirofenonas   (haloperidol) e

mais  modernamente  diversas  outras  substâncias:  risperidona,  olanzapina,  ziprazidona, molindona,   quetiapina,  clozapina,  zuclopentixol, aripiprazol,   entre outros.  

Os  antipsicóticos  ou  neurolépticos  são  classificados  em  tradicionais  ou típicos,  também  chamados  de  primeira  geração  e  atípicos  ou  de  segunda geração  (veja  tabela  5).

Esta  divisão  está  relacionada  com  seu mecanismo de ação - predominantemente bloqueio de receptores da dopamina (D) nos típicos, e bloqueio dos receptores dopaminérgicos  e serotonérgicos (5HT) nos atípicos,  o que acarreta um diferente perfil de efeitos colaterais, em geral melhor tolerados nestes últimos (Blin, 1999). 

Tabela 5   Antipsicóticos e doses diárias

Tradicionais de alta potência                      Doses diárias  em mg/dia

       Haloperidol (Haldol®)                                    5-15 

       Flufenazina(Anatensol®)                              2-20

       Pimozida (Orap®)                                         2-6 

Tradicionais de média potência

     Trifluoperazina (Stelazine®)                           5-30 

Tradicionais de baixa potência

     Clorpromazina (Amplictil®)                                   200-1200

     Levomepromazina (Neozine®)                              200-800

Atípicos  

   Tioridazina (Melleri®l)                                       150-800

    Sulpirida (Equilid®)                                           200-1000

    Clozapina (Leponex®)                                     300-900

    Risperidona (Risperdal®)                                 2-6

    Olanzapina (Zyprexa®)                                    10-20

     Quetiapina (Seroquel®)                                  300-750

    Aripiprazol (Abilify®)                                          6-20 mg  

3.1 - Indicações e contra-indicações  

Os  antipsicóticos  são  indicados  na  esquizofrenia  (episódios  agudos, tratamento de manutenção, prevenção de  recaídas), nos  transtornos delirantes, em  episódios  agudos  de  mania  com  sintomas  psicóticos  ou  agitação,  no transtorno  bipolar  do  humor,  na  depressão  psicótica  em  associação  com  antidepressivos,  em  episódios  psicóticos  breves,  em  psicoses  induzidas  por drogas, psicoses cerebrais orgânicas,   controle da agitação e da agressividade em  pacientes  com  retardo  mental  ou  demência,  transtorno  de  Tourette (haloperidol, pimozida, risperidona).  

Deve-se evitar o uso de antipsicóticos quando há hipersensibilidade à droga, discrasias  sangüíneas  (especialmente  a  clozapina),  em  estados  comatosos  ou depressão acentuada do SNC, nos transtornos convulsivos (tradicionais de baixa potência e a clozapina) ou quando o paciente apresenta doença cardiovascular grave (tradicionais e a clozapina).

Em pacientes idosos: evitar os tradicionais por causarem  problemas cardiocirculatórios e cognitivos.  

3.2 - Efeitos colaterais  e reações adversas   

Dentre  os  efeitos  colaterais  dos  antipsicóticos  destacam-se  os  efeitos extrapiramidais: acatisia, distonias e   discinesias nos  tradicionais. Devem-se ao bloqueio dos  receptores D2 no  sistema nigro-estriatal e  são  comuns durante o uso dos antipsicóticos tradicionais  especialmente os  de alta potência.     

Acatisia  é  a  sensação  subjetiva  de  inquietude  motora,  ansiedade, incapacidade para relaxar, dificuldade de permanecer imóvel e a necessidade de alternar entre estar sentado ou de pé.   

Distonias ou discinesias agudas são contraturas musculares ou movimentos estereotipados  de grupos musculares que  surgem minutos ou horas depois do início do uso de um neuroléptico.  

Distonias  ou  discinesia  tardias  são movimentos  estereotipados  de  grupos musculares,  periorais,  da  língua,  da  cabeça,  do  tronco  ou  dos membros,  que surgem  geralmente  depois  do  uso  crônico  de  altas  doses  dos  antipsicóticos.

Pode ainda manifestar-se sob a forma de crises oculógiras, opistótono, torcicolo, abertura  forçada da boca,  protusão da  língua, disartria, disfagia ou  trismo  com deslocamento da mandíbula. Ocorre mais em homens  (jovens), com menos de 40 anos.   

Parkinsonismo  é a diminuição dos movimentos dos braços, da expressão e mímica  faciais, marcha  em  bloco  (semelhante  ao  andar  de  um  robô),  rigidez, tremor  de  extremidades  e  da  língua,  hipersalivação,  bradicinesia  (movimentos lentos), acinesia (diminuição da espontaneidade dos movimentos). 

Outros efeitos colaterais   

  Endócrinos  por   aumento  dos  níveis  de   prolactina:  aumento  e  dor  nos seios,   galactorréia, amenorréia e da  lubrificação vaginal, desencadeamento de diabete  (Buse,  2002);  cardiociculatórios  por  bloqueio  de  receptores  -1 adrenérgicos: hipotensão ortostática, e taquicardia mais comuns nos tradicionais mais  sedativos  (clorpromazina,  tioridazina,  levomepromazina)  ;  centrais:  sedação, sonolência, tonturas e ganho de peso

especialmente com a clozapina e a olanzapina  (Sachs  et  al,  1999;  Gangulli,  1999;  Aquila,  2002).  Diversos: hipersalivação  (clozapina),  boca  seca,  visão  borrada,  constipação  intestinal;

disfunções  sexuais  diversas:  ejaculação  retrógrada,  diminuição  do  volume ejaculatório,  ejaculação  dolorosa,   diminuição  da  libido,  disfunção  erétil, anorgasmia e orgasmo retardado (Stahl, 1997; Blin 1999) 

3.3 -  Uso clínico doses diárias    

A potência do antipsicótico correlaciona-se com a dose necessária para o bloqueio  dos  receptores   D2  e  para  obter  um  determinado  efeito  clínico  e  não com  sua eficácia clínica. Com exceção da clozapina, que reconhecidamente tem uma  eficácia  maior,  os  demais  antipsicóticos   têm  uma  eficácia  semelhante

quando utilizados em doses equivalentes.   

3.3.1 - Escolha do antipsicótico  

Os antipsicóticos tradicionais (potencialmente capazes de provocar reações extrapiramidais  e  um  maior  número  de  outros  efeitos  colaterais)  podem constituir-se na primeira escolha para o tratamento da  de quadros psicóticos da fase  aguda  da  esquizofrenia,  como  coadjuvantes  nos  episódios  maníacos  do transtorno  bipolar  do  humor  (TBH),  por  serem  reconhecidamente  eficazes  e seguros,  e  principalmente  pelo  seu menor  custo,  quando este  fator  é decisivo.

Entretanto os de baixa potência podem provocar tonturas, sedação, constipação intestinal;   os  de  alta  potência   sintomas  extrapiramidais  aos  quais  são suscetíveis especialmente  jovens   do sexo masculino.

Os antipsicóticos atípicos em  geral não  causam  efeitos extrapiramidais nas doses usuais,  são mais bem tolerados e na atualidade  vem  sendo   cada vez mais preferidos como primeira escolha: a  risperidona quando há sintomas positivos proeminentes, hostilidade, agitação, obesidade, tabagismo, hiperglicemia ou diabetes; a olanzapina quando há tendência a ocorrerem sintomas extrapiramidais ou acatisia (Feifel, 2000), ou a  clozapina  quando  ocorreu  discinesia  tardia  (Miller  et  al.  1999).

 Além  de  um melhor perfil de efeitos colaterais uma metanálise recente constatou uma  melhor eficácia  de  alguns  representantes  dos  atípicos:  clozapina,  amisulprida, risperidona  e  olanzapina  em  relação  aos  tradicionais  (haloperidol),  e  não  de outros como a quetiapina, a ziprazidona, o aripriprazol (Davis et al 2003).   

3.3.2   Tratamento  dos episódios psicóticos agudos   

No tratamento de episódios psicóticos agudos inicia-se em geral com doses baixas,   aumentando   gradualmente  em  função  da   tolerância  aos  efeitos colaterais,  até  atingir  as  doses  médias  diárias  recomendadas  (tabela  6).  A preferência atual é pelos atípicos (exceto a clozapina) em  razão de serem mais bem  tolerados,  igualmente  ou  mais  efetivos  em  relação  aos  tradicionais. Apresentam  ainda  menos  risco  de  provocarem  discinesia  tardia,  e  provocam menos  prejuízo  cognitivo  (Marder,  1994;Miller  et  al.  1999;  Pádua,  2000; Carpenter, 2001). Em compensação são medicamentos mais caros.    

Em  pacientes  com  sintomas  psicóticos  graves,  agitação,  ou  hostilidade oferecendo  risco  para  si  ou  seus  familiares,  eventualmente  as  doses  iniciais devam ser  maiores ou administradas por via  intramuscular, para uma sedação imediata,  podendo  ser  utilizado  o  haloperidol  ou  os  atípicos:  risperidona  e

olanzapina  (Feifel,  2000;  Carpenter  2001).

  O  efeito   terapêutico,  quando  o antipsicótico é administrado por via oral   pode demorar de 3 a 9 semanas para  ser observado  (Miller et al. 1999).   Deve-se aguardar este período, em uso de doses efetivas, para   decidir quanto à continuidade do  tratamento: manutenção, aumento  da  dose  ou  troca  de   medicamento.

Quando  a  resposta  é   parcial,  a primeira estratégia recomendada é a elevação da   dose   até os níveis máximos recomendados  e  mantendo  tais  níveis  por  mais  duas  semanas,  avaliando novamente  a  situação  depois  deste  período.  Alguns  pacientes  poderão responder a esta estratégia, que dependerá também da aceitação e da tolerância aos efeitos colaterais.

Caso não ocorra uma melhora, as alternativas são a troca de  medicamento,  a  combinação  de  drogas,  o  uso  de  clozapina  ou  a eletroconvulsoterapia.

 Na  troca de medicamentos   recomenda-se a substituição por  um  antipsicótico  de  classe  diferente  (p.  ex.,  uma  butirofenona   por  uma fenotiazina  ou  por  um  atípico)  (Lieberman  et  al.  1997; CPA,  1998; Miller  et  al. 1999; Pádua 2000).   

3.3.3 - Tratamento de manutenção e prevenção de recaídas  

Deve-se  levar em conta a natureza do  transtorno (o diagnóstico), se agudo ou crônico, para decidir quanto à manutenção do  medicamento por mais ou por menos  tempo.

Em episódios psicóticos breves, como os provocados por drogas ou problemas cerebrais, o antipsicótico pode ser suspenso pouco  tempo depois de  cessados  os  sintomas  e  removida  a  causa.

Na  esquizofrenia,  entretanto  o tratamento deve ser mantido por longos períodos para a prevenção de recaídas. 

Após 6-8 meses utilizando doses adequadas, com boa resposta, pode-se cogitar na sua  redução ou no uso de antipsicóticos na  forma depot  (forma  injetável de liberação  prolongada,  utilizada  especialmente  em  pacientes  que  apresentam baixa aderência ao tratamento).

A suspensão  total  raramente é possível e  deve ser feita lentamente. Em  outros  quadros como na mania aguda, depressão com sintomas psicóticos, episódio psicótico agudo, o   uso de antipsicóticos pode ser de curta duração. 

3.4 - Mecanismos de ação  

Postula-se  que  a  ação  terapêutica  dos  antipsicóticos  deva-se  ao  bloqueio dos  receptores  dos  sistemas  dopaminérgicos   mesolímbico  e  mesofrontal, podendo haver forte bloqueio  de  todos os subtipos de receptores (D1, D2, D3 e D4).  

3.5 - CLOZAPINA  

Nos casos de ausência de resposta a dois antipsicóticos diferentes, usados em  doses  e  tempos  adequados,  uma  alternativa  é  o  uso  de  clozapina. Vários estudos  têm  demonstrado  uma  superioridade  clínica  deste  medicamento  em relação aos demais antipsicóticos, sendo a única droga efetiva, até o momento, para pacientes  refratários  (Kane et al. 1988; Kane et al 1992; Rosenheck et al.

1997; Davis et al.2003). Outra  indicação para o uso da clozapina é a presença de discinesia tardia.   

Um  dos  riscos  do  seu  uso  é  a  possibilidade  de  ocorrer  um  quadro  grave  chamado de agranulocitose, caracterizado pela diminuição dos glóbulos brancos (polimorfonucleares)  que  pode  chegar  a  níveis  abaixo  de  500/mm3,  levando  a uma  depressão  imunológica  que  pode  ser  fatal. 

O  risco  maior   ocorre  nos primeiros  três meses  de  tratamento,  em mulheres  e  idosos. Esta  possibilidade exige que durante o  tratamento com clozapina, se  faça o controle periódico dos níveis de leucócitos.