3. ANTIPSICÓTICOS OU NEUROLÉPTICOS
fonte:
Aristides Volpato Cordioli - Prof. Adjunto de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS, Doutor em Psiquiatria
http://www.ufrgs.br/Psiq/Caballo%206_8.pdf
Os antipsicóticos ou neurolépticos passaram a ser utilizados em psiquiatria a partir da descoberta casual de Delay e Deniker, no início da década de 50, de que a clorpromazina, além de produzir sedação, diminuía a intensidade de sintomas psicóticos. Posteriormente foram introduzidos outros medicamentos derivados da clorpromazina as fenotiazinas, as butirofenonas (haloperidol) e
mais modernamente diversas outras substâncias: risperidona, olanzapina, ziprazidona, molindona, quetiapina, clozapina, zuclopentixol, aripiprazol, entre outros.
Os antipsicóticos ou neurolépticos são classificados em tradicionais ou típicos, também chamados de primeira geração e atípicos ou de segunda geração (veja tabela 5).
Esta divisão está relacionada com seu mecanismo de ação - predominantemente bloqueio de receptores da dopamina (D) nos típicos, e bloqueio dos receptores dopaminérgicos e serotonérgicos (5HT) nos atípicos, o que acarreta um diferente perfil de efeitos colaterais, em geral melhor tolerados nestes últimos (Blin, 1999).
Tabela 5 Antipsicóticos e doses diárias
Tradicionais de alta potência Doses diárias em mg/dia
Haloperidol (Haldol®) 5-15
Flufenazina(Anatensol®) 2-20
Pimozida (Orap®) 2-6
Tradicionais de média potência
Trifluoperazina (Stelazine®) 5-30
Tradicionais de baixa potência
Clorpromazina (Amplictil®) 200-1200
Levomepromazina (Neozine®) 200-800
Atípicos
Tioridazina (Melleri®l) 150-800
Sulpirida (Equilid®) 200-1000
Clozapina (Leponex®) 300-900
Risperidona (Risperdal®) 2-6
Olanzapina (Zyprexa®) 10-20
Quetiapina (Seroquel®) 300-750
Aripiprazol (Abilify®) 6-20 mg
3.1 - Indicações e contra-indicações
Os antipsicóticos são indicados na esquizofrenia (episódios agudos, tratamento de manutenção, prevenção de recaídas), nos transtornos delirantes, em episódios agudos de mania com sintomas psicóticos ou agitação, no transtorno bipolar do humor, na depressão psicótica em associação com antidepressivos, em episódios psicóticos breves, em psicoses induzidas por drogas, psicoses cerebrais orgânicas, controle da agitação e da agressividade em pacientes com retardo mental ou demência, transtorno de Tourette (haloperidol, pimozida, risperidona).
Deve-se evitar o uso de antipsicóticos quando há hipersensibilidade à droga, discrasias sangüíneas (especialmente a clozapina), em estados comatosos ou depressão acentuada do SNC, nos transtornos convulsivos (tradicionais de baixa potência e a clozapina) ou quando o paciente apresenta doença cardiovascular grave (tradicionais e a clozapina).
Em pacientes idosos: evitar os tradicionais por causarem problemas cardiocirculatórios e cognitivos.
3.2 - Efeitos colaterais e reações adversas
Dentre os efeitos colaterais dos antipsicóticos destacam-se os efeitos extrapiramidais: acatisia, distonias e discinesias nos tradicionais. Devem-se ao bloqueio dos receptores D2 no sistema nigro-estriatal e são comuns durante o uso dos antipsicóticos tradicionais especialmente os de alta potência.
Acatisia é a sensação subjetiva de inquietude motora, ansiedade, incapacidade para relaxar, dificuldade de permanecer imóvel e a necessidade de alternar entre estar sentado ou de pé.
Distonias ou discinesias agudas são contraturas musculares ou movimentos estereotipados de grupos musculares que surgem minutos ou horas depois do início do uso de um neuroléptico.
Distonias ou discinesia tardias são movimentos estereotipados de grupos musculares, periorais, da língua, da cabeça, do tronco ou dos membros, que surgem geralmente depois do uso crônico de altas doses dos antipsicóticos.
Pode ainda manifestar-se sob a forma de crises oculógiras, opistótono, torcicolo, abertura forçada da boca, protusão da língua, disartria, disfagia ou trismo com deslocamento da mandíbula. Ocorre mais em homens (jovens), com menos de 40 anos.
Parkinsonismo é a diminuição dos movimentos dos braços, da expressão e mímica faciais, marcha em bloco (semelhante ao andar de um robô), rigidez, tremor de extremidades e da língua, hipersalivação, bradicinesia (movimentos lentos), acinesia (diminuição da espontaneidade dos movimentos).
Outros efeitos colaterais
Endócrinos por aumento dos níveis de prolactina: aumento e dor nos seios, galactorréia, amenorréia e da lubrificação vaginal, desencadeamento de diabete (Buse, 2002); cardiociculatórios por bloqueio de receptores -1 adrenérgicos: hipotensão ortostática, e taquicardia mais comuns nos tradicionais mais sedativos (clorpromazina, tioridazina, levomepromazina) ; centrais: sedação, sonolência, tonturas e ganho de peso
especialmente com a clozapina e a olanzapina (Sachs et al, 1999; Gangulli, 1999; Aquila, 2002). Diversos: hipersalivação (clozapina), boca seca, visão borrada, constipação intestinal;
disfunções sexuais diversas: ejaculação retrógrada, diminuição do volume ejaculatório, ejaculação dolorosa, diminuição da libido, disfunção erétil, anorgasmia e orgasmo retardado (Stahl, 1997; Blin 1999)
3.3 - Uso clínico doses diárias
A potência do antipsicótico correlaciona-se com a dose necessária para o bloqueio dos receptores D2 e para obter um determinado efeito clínico e não com sua eficácia clínica. Com exceção da clozapina, que reconhecidamente tem uma eficácia maior, os demais antipsicóticos têm uma eficácia semelhante
quando utilizados em doses equivalentes.
3.3.1 - Escolha do antipsicótico
Os antipsicóticos tradicionais (potencialmente capazes de provocar reações extrapiramidais e um maior número de outros efeitos colaterais) podem constituir-se na primeira escolha para o tratamento da de quadros psicóticos da fase aguda da esquizofrenia, como coadjuvantes nos episódios maníacos do transtorno bipolar do humor (TBH), por serem reconhecidamente eficazes e seguros, e principalmente pelo seu menor custo, quando este fator é decisivo.
Entretanto os de baixa potência podem provocar tonturas, sedação, constipação intestinal; os de alta potência sintomas extrapiramidais aos quais são suscetíveis especialmente jovens do sexo masculino.
Os antipsicóticos atípicos em geral não causam efeitos extrapiramidais nas doses usuais, são mais bem tolerados e na atualidade vem sendo cada vez mais preferidos como primeira escolha: a risperidona quando há sintomas positivos proeminentes, hostilidade, agitação, obesidade, tabagismo, hiperglicemia ou diabetes; a olanzapina quando há tendência a ocorrerem sintomas extrapiramidais ou acatisia (Feifel, 2000), ou a clozapina quando ocorreu discinesia tardia (Miller et al. 1999).
Além de um melhor perfil de efeitos colaterais uma metanálise recente constatou uma melhor eficácia de alguns representantes dos atípicos: clozapina, amisulprida, risperidona e olanzapina em relação aos tradicionais (haloperidol), e não de outros como a quetiapina, a ziprazidona, o aripriprazol (Davis et al 2003).
3.3.2 Tratamento dos episódios psicóticos agudos
No tratamento de episódios psicóticos agudos inicia-se em geral com doses baixas, aumentando gradualmente em função da tolerância aos efeitos colaterais, até atingir as doses médias diárias recomendadas (tabela 6). A preferência atual é pelos atípicos (exceto a clozapina) em razão de serem mais bem tolerados, igualmente ou mais efetivos em relação aos tradicionais. Apresentam ainda menos risco de provocarem discinesia tardia, e provocam menos prejuízo cognitivo (Marder, 1994;Miller et al. 1999; Pádua, 2000; Carpenter, 2001). Em compensação são medicamentos mais caros.
Em pacientes com sintomas psicóticos graves, agitação, ou hostilidade oferecendo risco para si ou seus familiares, eventualmente as doses iniciais devam ser maiores ou administradas por via intramuscular, para uma sedação imediata, podendo ser utilizado o haloperidol ou os atípicos: risperidona e
olanzapina (Feifel, 2000; Carpenter 2001).
O efeito terapêutico, quando o antipsicótico é administrado por via oral pode demorar de 3 a 9 semanas para ser observado (Miller et al. 1999). Deve-se aguardar este período, em uso de doses efetivas, para decidir quanto à continuidade do tratamento: manutenção, aumento da dose ou troca de medicamento.
Quando a resposta é parcial, a primeira estratégia recomendada é a elevação da dose até os níveis máximos recomendados e mantendo tais níveis por mais duas semanas, avaliando novamente a situação depois deste período. Alguns pacientes poderão responder a esta estratégia, que dependerá também da aceitação e da tolerância aos efeitos colaterais.
Caso não ocorra uma melhora, as alternativas são a troca de medicamento, a combinação de drogas, o uso de clozapina ou a eletroconvulsoterapia.
Na troca de medicamentos recomenda-se a substituição por um antipsicótico de classe diferente (p. ex., uma butirofenona por uma fenotiazina ou por um atípico) (Lieberman et al. 1997; CPA, 1998; Miller et al. 1999; Pádua 2000).
3.3.3 - Tratamento de manutenção e prevenção de recaídas
Deve-se levar em conta a natureza do transtorno (o diagnóstico), se agudo ou crônico, para decidir quanto à manutenção do medicamento por mais ou por menos tempo.
Em episódios psicóticos breves, como os provocados por drogas ou problemas cerebrais, o antipsicótico pode ser suspenso pouco tempo depois de cessados os sintomas e removida a causa.
Na esquizofrenia, entretanto o tratamento deve ser mantido por longos períodos para a prevenção de recaídas.
Após 6-8 meses utilizando doses adequadas, com boa resposta, pode-se cogitar na sua redução ou no uso de antipsicóticos na forma depot (forma injetável de liberação prolongada, utilizada especialmente em pacientes que apresentam baixa aderência ao tratamento).
A suspensão total raramente é possível e deve ser feita lentamente. Em outros quadros como na mania aguda, depressão com sintomas psicóticos, episódio psicótico agudo, o uso de antipsicóticos pode ser de curta duração.
3.4 - Mecanismos de ação
Postula-se que a ação terapêutica dos antipsicóticos deva-se ao bloqueio dos receptores dos sistemas dopaminérgicos mesolímbico e mesofrontal, podendo haver forte bloqueio de todos os subtipos de receptores (D1, D2, D3 e D4).
3.5 - CLOZAPINA
Nos casos de ausência de resposta a dois antipsicóticos diferentes, usados em doses e tempos adequados, uma alternativa é o uso de clozapina. Vários estudos têm demonstrado uma superioridade clínica deste medicamento em relação aos demais antipsicóticos, sendo a única droga efetiva, até o momento, para pacientes refratários (Kane et al. 1988; Kane et al 1992; Rosenheck et al.
1997; Davis et al.2003). Outra indicação para o uso da clozapina é a presença de discinesia tardia.
Um dos riscos do seu uso é a possibilidade de ocorrer um quadro grave chamado de agranulocitose, caracterizado pela diminuição dos glóbulos brancos (polimorfonucleares) que pode chegar a níveis abaixo de 500/mm3, levando a uma depressão imunológica que pode ser fatal.
O risco maior ocorre nos primeiros três meses de tratamento, em mulheres e idosos. Esta possibilidade exige que durante o tratamento com clozapina, se faça o controle periódico dos níveis de leucócitos.