fonte: http://www.ufrgs.br/Psiq/Caballo%206_8.pdf
Depressão: aspectos gerais
1 - Depressão normal e patológica
O termo depressão tem sido usado para descrever um estado emocional normal ou um grupo de transtornos específicos. Sentimentos de tristeza ou infelicidade são comuns em situações de perda, separações, insucessos, conflitos nas relações interpessoais, fazem parte da experiência cotidiana e caracterizam um estado emocional normal, não patológico.
Um exemplo é o luto normal, no qual há tristeza e ansiedade, mas normalmente não há culpa e auto-acusações que caracterizam os transtornos depressivos. Nestas situações podem ainda ocorrer disfunções cognitivas passageiras: sentimentos de desamparo ou desesperança, visão negativa de si mesmo, da realidade e do
futuro, que em geral desaparecem com o tempo, sem a necessidade de ajuda especializada.
No entanto, quando tais sintomas não desaparecem espontaneamente, são desproporcionais à situação ou ao evento que os desencadeou ou este inexiste, quando o sofrimento é acentuado, comprometendo as rotinas diárias ou as relações interpessoais, provavelmente o paciente é portador de um dos diferentes transtornos depressivos, caracterizados nos manuais de diagnósticos como o DSM IV TR e o CID X.
Nestes casos está indicado o tratamento, que envolve usualmente a utilização de psicofármacos associados a alguma modalidade de psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia interpessoal (TIP), cuja eficácia, na depressão, tem sido estabelecida de forma mais consistente (Roth et al. 1996; Zindel et al.;2001).
2 - Neurobiologia da depressão
A descoberta casual de que um anti-hipertensivo - a reserpina provocava depressão, e um tuberculostático
a iproniazida provocava euforia alertou os investigadores para a possibilidade destes quadros serem desencadeados por fatores de ordem biológica: disfunções da neuroquímica cerebral, envolvendo neuro-transmissores como a noradrenalina, a serotonina e a dopamina.
Além disso, outros fatos observados posteriormente, como a resposta aos antidepressivos, a incidência familiar de quadros depressivos, acrescentaram novas evidências a favor desta hipótese particularmente para depressões graves e recorrentes ou com características melancólicas, depressões no transtorno bipolar, constituindo o chamado modelo neurobiológico das depressões.
3 - Tratamento das depressões
No tratamento de depressões leves ou moderadas, resultantes de problemas situacionais, relacionados a eventos vitais ou em resposta a estressores ambientais deve-se dar preferência ao uso de alguma modalidade de psicoterapia: terapia psicodinâmica, cognitiva, interpessoal, comportamental ou até mesmo o simples apoio psicológico, associando-se, eventualmente, por curto espaço de tempo um ansiolítico, se houver ansiedade ou insônia associadas (Grevet et al. 2000; Trivedi et al.2001).
Os pacientes com depressão devem também ser encorajados a modificar seus hábitos: realizar atividades físicas regulares, manter um tempo mínimo de sono diário (6 a 8 horas por noite), ter uma boa alimentação, expor-se ao sol em horários apropriados e evitar o uso de substâncias como anorexígenos, álcool e tabaco.
4 - Quando usar antidepressivos
Os antidepressivos têm se constituído num importante recurso terapêutico, especialmente em depressões de intensidade moderada ou grave, nos quais a apresentação clínica e a história pregressa sugerem a participação de fatoresbiológicos. São sugestivos de uma etiologia neurobiológica:
1) características melancólicas do quadro clínico: sintomas são piores pela manhã, perda do apetite e do peso, diminuição da energia, agitação ou retardo motor, insônia matinal, falta de reatividade a estímulos prazerosos, culpa excessiva;
2) história pessoal de episódios depressivos recorrentes;
3) transtornos bipolares ou episódios depressivos em familiares; 4) ausência de fatores de natureza emocional ou de eventos vitais desencadeantes que justifiquem os sintomas.
Existem mais de duas dezenas de antidepressivos cuja eficácia clínica está bem estabelecida. Até o presente momento não foi comprovada a superioridade de uma droga sobre as demais.
A grande diferença entre os diferentes medicamentos é o seu perfil de efeitos colaterais. Os primeiros antidepressivos lançados no mercado no final da década de 50 e ao longo da década de 60 pertencem ao grupo dos tricíclicos, e se caracterizam por terem inúmeras ações neuroquímicas e por provocarem muitas reações adversas.
Os antidepressivos mais recentes atuam de forma mais específica, apresentam menos efeitos colaterais e, conseqüentemente, melhor tolerância.
5 - A escolha do antidepressivo
Como, em princípio, todos os antidepressivos são igualmente efetivos a escolha leva em conta a resposta e a tolerância em uso prévio, o perfil de efeitos colaterais, comorbidades psiquiátricas e problemas médicos, a presença de sintomas psicóticos e a idade.
Se uma determinada droga foi eficaz em episódio depressivo anterior do paciente, ou de seus familiares, e as reações adversas e efeitos colaterais foram bem tolerados, em princípio será a preferida. Na atualidade tem sido preferidos os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) ou alguns dos novos agentes como a nefazodona, a venlafaxina ou a bupropriona em virtude de seu perfil de efeitos colaterais ser mais favorável (Kennedy et al. 2001).
Sobre a escolha do antidepressivo, sugiro o artigo do professor Dr. João Romildo Bueno em http://www.polbr.med.br/ano09/far0209.php
Entretanto em depressões graves muitos ainda preferem os
antidepressivos do grupo dos tricíclicos, que poderiam ter uma eficácia maior nestes quadros o que, entretanto, é controverso.
O perfil dos efeitos colaterais das distintas drogas pode contrabalançar alguns dos sintomas associados aos quadros depressivos: amitriptilina, mirtazapina podem ser preferidos quando há insônia, embora ela tenda a melhorar com a melhora do quadro depressivo; paroxetina, mirtazapina, sertralina ou venlafaxina quando há ansiedade; amineptina e bupropriona,
reboxetina, quando há anergia acentuada;
Os tricíclicos e a mirtazapina devem ser evitados em pacientes com sobrepeso ou obesidade; tricíclicos e IMAO devem ser evitados em pacientes com risco de suicídio, pois são perigosos em overdose. Na depressão crônica ou distimia preferir a fluoxetina, fluvoxamina,
moclobemida, nefazodona, sertralina ou paroxetina (Kennedy et al. 2001).
A resposta aos antidepressivos isolados, quando existem sintomas psicóticos associados é pobre, sendo necessário o acréscimo de antipsicóticos, que devem ser suspensos assim que os sintomas desaparecerem. São quadros que apresentam também boa resposta à eletroconvulsoterapia (ECT).
Dentre os problemas físicos, cardiopatias, hipertrofia prostática e glaucoma contra-indicam o uso dos tricíclicos; epilepsia contra-indica o uso de maprotilina, clomipramina ou bupropriona; disfunções sexuais podem ser agravadas pelos ISRSs, e favorecidas pelo uso da trazodona, nefazodona ou da bupropriona; em insuficiência hepática deve-se evitar drogas de intensa metabolização hepática
como a fluoxetina e em princípio as doses a serem utilizadas devem ser menores, assim como em idosos.
Quando existem comorbidades associadas ao quadro depressivo elas devem ser consideradas na escolha do medicamento: no transtorno do pânico, deve-se preferir as drogas de eficácia comprovada neste transtorno (clomipramina, imipramina, fluoxetina, paroxetina, sertralina); no transtorno
obsessivo-compulsivo, preferir drogas bloqueadoras da recaptação da serotonina, como a clomipramina e os ISRS (Picinelli, et al. 1995);
Em quadros com presença de dor, a amitriptilina, e no estresse pós-traumático a sertralina (Davidson et al. 2001). Em episódios depressivos do transtorno bipolar, dar preferência ao lítio isolado (se não estava sendo utilizado) ou associado a um
antidepressivo (bupropriona, paroxetina) por curto período de tempo, como forma de prevenir viradas maníacas, ou ainda à lamotrigina que aparentemente possui uma ação anti-depressiva.
Em pacientes idosos deve-se evitar os tricíclicos e os IMAO: agravam sintomas como hipotensão, confusão mental, constipação intestinal, retenção urinária, hipertrofia prostática. As doses utilizadas devem ser menores, assim como em indivíduos jovens.
Na gravidez, a fluoxetina tem sido a droga mais utilizada e em princípio tem se revelado segura (Altshuller et al., 1997). A sertralina bem como a imipramina são pouco excretadas no leite e têm sido sugeridas durante a amamentação (Mammen et al. 1997).
6 - Tratamento da fase aguda da depressão
Uma vez escolhida a droga em função dos critérios anteriores, inicia-se o ensaio clínico, que geralmente dura de 6 a 8 semanas na depressão maior, período necessário para se concluir se houve ou não uma resposta à droga (Quitkin et al.1984). Particularmente quando os sintomas são graves, não se aguarda tanto tempo.
Caso depois de 3 a 4 semanas o paciente não apresentou nenhuma mudança na intensidade em pelo menos algum sintoma (p. ex., anergia, anedonia), e os efeitos colaterais estão sendo bem tolerados, pode-se tentar um aumento da dose ou a troca do medicamento.
Em pacientes com distimia, deve-se aguardar até 12 semanas. Os primeiros resultados usualmente se observam somente 7 a 15 dias após o início do tratamento, e não de imediato.
7 Manejo do paciente refratário
Se após o período de 6 a 8 semanas do ensaio clínico não houve resposta ou esta foi parcial, pode-se adotar uma destas estratégias:
1) aumentar a dose (Fava et al. 1994;Nelson, 1995; Rush et al., 1998; Thase, 1997; Kennedy et al. 2001;Fava, 2001;
2) trocar por um antidepressivo de outra classe (Fava, 2000;
Craig Nelson, 2003);
3)associar lítio ou hormônio da tireóide (DeMontigny et al. 1981; Joffe et al. 1993);
4)usar antidepressivos de ação dupla;
5)usar inibidores da monoamino-oxidase, ou
6)combinar dois antidepressivos com ações distintas: um inibidor da recaptação da serotonina (5HT) com um inibidor da recaptação da
norepinefrina (NE); bupropriona e ISRS ou venlafaxina; reboxetina e ISRS, etc. (Stahl, 1997; Lam et al.2002).
A superioridade de uma ou outra destas estratégias não está estabelecida (Stimpson et al. 2002).
E se mesmo depois de várias tentativas não houve resposta, eventualmente é indicada a eletroconvulsoterapia.
É importante salientar que nas depressões é usual a associação com TCC (terapia cognitivo comportamental) e que esta também pode ser uma estratégia a ser adotada
em pacientes refratários aos medicamentos (Roth et al. 1996; Trivedi et al. 2001; Thase et al. 2001).
8 -Terapia de manutenção e prevenção de recaídas
Depois da remissão de um episódio agudo a manutenção do tratamento por longo prazo protege o paciente de recaídas e de recorrências.
O risco maior está associado a ter tido 3 ou mais episódios depressivos no passado, persistência de sintomas residuais, ou não ter tido uma remissão completa depois de um tratamento agudo, sintomas graves, ter depressão e distimia (depressão dupla) ou depressão crônica (episódio depressivo com mais de dois anos), que em geral acaba ocorrendo em pacientes que tiveram múltiplos episódios (Whooley et al. 200; Nieremberg,2001).
Um dos primeiros objetivos, no tratamento agudo, portanto é obter-se a remissão completa, pois a presença de sintomas residuais
é um fator de risco para recaídas. Tratando-se do primeiro episódio depressivo, deve-se manter a farmacoterapia pelo período de 12 a 18 meses, com doses iguais às utilizadas durante a fase aguda. Em episódios recorrentes manter por períodos maiores, como 2 a 5 anos sem diminuir a dose que se revelou efetiva na fase aguda, mesmo na ausência de sintomas.
A partir do terceiro episódio ou de episódios subseqüentes, deve-se manter por tempo indeterminado, para prevenir recaídas (Frank et al. 1990; Frank et al. 1991; Rush et al. 1998;
Crismom et al,1999). O acréscimo de terapia cognitivo-comportamental é uma outra alternativa para prevenção de recaídas especialmente quando não se consegue remissão completa (Trivedi et al,2001; Thase et al.2001).